Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 11/5/2014
SSA: A Tarde, 11/5/2014
O manual do usuário de qualquer produto novo apresenta três seções:
para que serve o produto? como funciona? e perguntas frequentes. Na
falta das duas primeiras, me antecipo respondendo algumas perguntas
frequentes. A ponte Salvador/Itaparica que parecia morta foi relançada
com o anuncio do governador de licitá-la antes de deixar o governo e
novas contratações de pareceres e projetos para justificar uma decisão
tomada em reunião social sem qualquer estudo prévio.
1º - A ponte
faz parte do sistema viário de onde? Uma ligação rodoviária não pode
competir com uma ferrovia como a Fiol na exportação de minérios e grãos
do oeste, mesmo porque o porto de Salvador não opera graneis. Não serve
também ao litoral sul, quando está sendo construído o Porto Sul e um
novo aeroporto em Ilhéus. Atrações como Itacaré e Barra Grande são mais
acessíveis por Ilhéus.
2º - A ponte substituirá a hidrovia? – Os
moradores de Niterói sabem que é melhor pegar a barca e saltar no centro
do Rio que enfrentar filas, engarrafamentos e pedágio e não poder
estacionar no Rio. Os ferries vão continuar transformados em barcas de
passageiros.
3º - A ponte será um escape ou ladrão para Salvador?
Quem atrai mais: Salvador ou Nazaré? A ponte irá apenas congestionar
Salvador e a Estrada do Côco trazendo os veículos da BR-101 e BR-116
para o litoral norte onde estão o aeroporto, praias, Copec, Ford e
acesso ao Nordeste. Quem perde com isso é S. Antonio de Jesus, Salvador e
Feira de Santana. A ponte irá ainda duplicar a RMS aumentando sua
função de dormitório e prestador de serviços de educação, saúde,
abastecimento e lazer para trabalhadores que enriquecem outros
municípios. A solução tem que ser ferroviária, pois a ponte será tão
engarrafada quanto a Paralela.
4º - Itaparica será uma expansão de
Salvador? A classe média quer centralidade, ficar junto do emprego, dos
colégios e universidades, dos hospitais, do teatro e dos cinemas. Também
não tem lógica criar conjuntos habitacionais para operários que irão
trabalhar em Candeias, Simões Filho e Camaçari, sujeitos a esperar horas
para a passagem de plataformas de petróleo e guindastes. A Ilha será
apenas um acampamento rodoviário como São Gonçalo junto a Niterói.
5º - A ponte beneficiará a RMS e o Recôncavo? Saltando de Salvador para
Jaguaripe a ponte irá marginalizar ainda mais o Recôncavo com seu enorme
potencial turístico e náutico. A baía também perde com um gargalo na
sua boca dificultando o acesso a seus quatro portos internos: Aratu,
Temadre, Regaseificação e Estaleiros de S. Roque.
6º - Qual a
importância econômica da ponte? Se não serve ao oeste. ao sul ou a RMS o
que ganha o estado com esta ponte rodo-eleitoral? Não sabemos
responder. Mas “Pergunte ao José”, saudoso programa radiofônico baiano.
7º - Quanto pagaremos pela ponte? Todos sabem que uma ponte não se paga
pelo pedágio. A solução apontada de leilões de CEPACs não está
funcionando nem no Porto Maravilha, no centro do Rio. Sem esquema
financeiro assegurado, ela será iniciada e parada e as empreiteiras irão
receber durante anos por terem seu contrato suspenso como aconteceu com
o metrô perna-de-pau de Salvador. Mesmo que a União banque uma parte,
teremos que pagar uma divida monstruosa, o equivalente a quatro
superportos tipo Mariel em Cuba, ou três refinarias de Pasadena, ou
ainda as doze arenas da Copa, enquanto o sertanejo, a lavoura e o gado
morrem de sede no semiárido.
8º Não haveria uma alternativa mais
interessante? Sim, seria a construção da Envolvente Rodo-Ferroviária de
Kerimorê ou BTS, ligada ao novo porto de Salinas da Margarida, projeto
que custaria um terço da ponte e teria efeitos socioeconômicos e
culturais muito maiores. Ela alavancaria o desenvolvimento do Estado e
da RMS e integraria todo o Recôncavo com um trem rápido metropolitano
fazendo a ligação Salvador-Feira com variante para São Roque/Itaparica. E
ainda reduziria para um terço o acesso de carros para a ilha e criaria
milhares de empregos perenes.
P.S. - Não confundir “Pergunte ao José” do mestre Cid Teixeira com “José”, poema de Carlos Drummond de Andrade.
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