domingo, 27 de abril de 2014

E o “guayacán” voltou a florir...


Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 27/04/1

Era uma vez uma cidade chamada Guayacán dominada por um barão perverso, sétimo homem mais rico do mundo e dono de 80 % do comercio mundial de sonhos e pesadelos. Grande parte de seus habitantes eram mulas, que transportavam sonhos pesados como chumbo. Sua lei era “plata o plomo” - dinheiro ou chumbo - e com isso ele controlava juízes, legisladores, governantes e cidadãos. Três candidatos a presidentes de seu país e milhares de mulas suspeitas e rivais foram mortos por ele. Em 1991 o número de homicídios por cem mil na cidade era de 381. Dois anos depois a cidade se revoltou e o matou, mas continuou dominada pelo barão de uma cidade vizinha. A partir de 2004 esta “Sin City” começou a mudar, quando o irmão do governador do estado, sequestrado e morto um ano antes, resolveu assumir a luta e mudar o estado e a cidade. O guayacán, o nosso ipê amarelo, voltou a colorir os tetos de zinco da grande favela.

Esta não é mais uma fabula cruel com final feliz, é uma historia real. Guayacán é o símbolo de Medelín, na Colômbia, e o barão era Pablo Escobar. Em 2007 a taxa de homicídios despencou para 34 e o índice de alfabetização subiu para 96,65%. Medelín conseguiu isto rompendo a segregação sócio-espacial com um inovador sistema de metrô, BRT, teleféricos e escadas rolantes, que chega aos pontos mais isolados da cidade. Ali foram instaladas bibliotecas-parques, escolas e museus de primeiro mundo, e não meias-solas, onde se faz a inclusão social.

Há três semanas, pessoas vindas de todos os cantos do mundo vieram conhecer o milagre de Medelín. O prefeito Aníbal Gaviria(48) e seu parceiro nesta luta, o governador da província de Antioquia Sergio Fajardo, se juntaram ao premio Nobel de economia Joseph Stiglitz, ao Dr. Joan Clós, diretor executivo do Habitat e ao ex-prefeito de Nova York, o bilionário Michael Blomberg para divulgarem para o mundo o que aconteceu na cidade, no VII Fórum Urbano Mundial, da ONU-Habitat. Uma dezena dos maiores profissionais e teóricos do urbanismo foi convidada a avaliar criticamente a experiência de Medelín.
Prefeitos, entre os quais a nossa vice, empresários, diretores de fundações e ongs, lideres sociais e tribais e técnicos, como este escriba representando o CAU/BR, discutiram o futuro das cidades em mesas redondas e diálogos. O tema central era Equidade Urbana no Desenvolvimento de Cidades para a Vida. Dentro deste marco foram discutidos os efeitos das mudanças climáticas; o processo acelerado de urbanização que transformou nossas cidades em favelões; a crescente segregação sócio-espacial com barreiras físicas e sociais, a mobilidade urbana e a inclusão social para combate à violência.

A escolha de Medellín não foi por acaso, a cidade acaba de ganhar o concurso City of the Year, organizado pelo The Wall Steet Journal, como a cidade mais criativa do mundo. Este milagre se deve a inclusão social realizada pelas empresas publicas Desarrollo Urbano e Transporte Masivo del Valle de Aburrá, da mais alta qualificação e eficiência voltadas para o social. O premio Nobel Stiglitz sintetizou a experiência: “O que me agrada em Medelín é que se está focando o conceito de dignidade, ao criar espaços atrativos e fazer as pessoas se sentirem bem. Não é apenas uma luta pela sobrevivência, é uma aposta no brilhantismo”.

O prefeito Gaviria é um administrador formado em Harvard. O governador Sergio Fajardo é professor universitário e ex-diretor do Centro de Ciência e Tecnologia de Antioquia. É uma pena que nossos secretários de planejamento estadual e municipal não estivessem presentes para se contaminar com Medelín como fizeram 20.000 administradores e técnicos de todo o mundo.

Apesar de sermos a 13ª cidade mais violenta do mundo, a experiência de Medelín nos renova a esperança. Mas para isto temos que apostar na reconstrução do setor público, no planejamento com foco no social, na inteligência e criatividade de nossos cidadãos. Não podemos continuar a licitar projetos apócrifos pelo menor preço. Temos que respeitar a dignidade do nosso povo.

domingo, 13 de abril de 2014

O culto brasileiro ao belo


 Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 13/04/14

A unidade verdadeiro-bom-belo foi formulada originalmente na Idade Média, mas se transformou num clássico. No século XIX, Victor Cousin em um livro de grande sucesso, que tem este titulo, afirmou que em todas as épocas estas foram as preocupações básicas da filosofia. Coube a Frederich Nietzsche, em 1886, mostrar o antagonismo destas três ideias. O culto brasileiro ao belo parece confirmar a observação de Nietzsche. Aqui o belo é um valor dissociado e até antagônico aos demais itens da tríade. Exemplo disto é a proliferação de lojas de decoração, academias de ginástica, spas, salões de beleza, clinicas de cirurgia plástica e ortodontia, que nada têm a ver com o bom e o verdadeiro.

A arquitetura colonial brasileira é mais barroca e bela que sua matriz portuguesa dita chã. Niemeyer dizia que sua obra reproduzia as curvas graciosas da paisagem carioca e da mulher brasileira. Nenhum profissional liberal ou butiqueira que se preze dispensa uma decoradora para dourar seu consultório ou loja com moveis de design não necessariamente cômodos. Este é um requisito fundamental para o sucesso profissional ou comercial, o que confirma que os seus clientes são também cultores do belo. Por isso, não obstante os preços exorbitantes de móveis, tapetes e objetos de design, as lojas do ramo se reproduzem como coelhos em cidades grandes, médias e até pequenas. Esta preocupação estética não se restringe aos espaços de trabalho ou morar, se estendendo ao próprio corpo, num narcisismo próprio dos brasileiros.


O segundo lugar da bela Marta Rocha no concurso de Miss Universo em 1954 provocou uma comoção no país quase igual à perda da Copa de 1950. Vinicius de Morais pedia desculpa às feias, mas dizia que beleza era fundamental.

O Dr. Keneth Cooper, autor do livro Aerobics (1968), treinador das forças armadas norte-americana e conselheiro da seleção brasileira na década de 1970, afirmava que em nenhum país seu método de fazer corpos sarados teve tantos aficionados como no Brasil, a ponto de seu nome ser sinônimo de jogging.


O Brasil é campeão mundial de cirurgias plásticas. Os nossos cirurgiões são considerados dos mais competentes do mundo, perdendo apenas para os colegas tailandeses em operações transexuais. Algumas mulheres fazem operações plásticas periódicas para diminuírem ou aumentarem os seis, o glúteo e colotes em função da moda. Uma brasileira residente nos Estados Unidos é a campeã mundial de seios siliconados, alguma coisa da ordem de quatro quilos, o que lhe salvou em um acidente de carro quando o air bag falhou. Modelos e atrizes se internam em spas durante semanas ou fazem lipoaspirações para uma simples apresentação ou sessão de fotos para revistas masculinas. Também os homens já aderiram a esta prática para mostrar o tórax malhado sem fazer esforço, ou eliminar barrigas hemisféricas, “pneus” e carecas.

Turistas estrangeiros se espantam com a quantidade de pessoas, inclusive de baixa renda, que usam aparelhos de ortodontia nas nossas cidades. Hoje simulacros desses aparelhos, coloridos para serem mais atrativos, são vendidos em tabuleiros de camelôs ao lado de sutiãs e ancas infláveis ou acolchoadas. Perto dali estão as tendas de tatuadores com álbuns de dragões orientais, aves do paraíso, corações flechados, abecedários artísticas e frases do “secretario amoroso” para serem tatuados em homens e mulheres apaixonados ou narcisista que querem atapetar todo corpo com desenhos coloridos.

O belo nesses casos não corresponde ao verdadeiro. Pelo contrario, uma mulher ou homem siliconado, ainda quando considerado belo, está mais para propaganda enganosa que para a autenticidade. Do mesmo modo, sua beleza não corresponde ao bom, ou saudável. O cantor Netinho quase morreu por abusar de anabolizantes para aumentar a massa muscular e se apresentar de peito nu em frente de suas admiradoras e fãs.

Todo arquiteto sabe que a função da decoração é encobrir um defeito de construção. Os maquiadores podem dizer o mesmo e Caymmi sintetizou isto muito bem numa canção quando ele pediu a Marina morena para não se pintar, “pois você já é bonita como Deus lhe deu”.