domingo, 15 de março de 2015

DIVIDINDO SALVADOR AO MEIO

Paulo Ormindo de Azevedo 
SSA: A Tarde de 15/03/15

No dia seis do mês passado foi iniciada a construção da linha 2 do metrô Salvador/Lauro de Freitas. Será que o soteropolitano imagina o que será esta obra? Apesar de ser uma corruptela do projeto original do prefeito Hage, que passava por baixo da primeira linha de colinas de Salvador atendendo aos dois níveis da cidade, a maioria dos urbanistas era favorável que se concluísse o projeto iniciado em 2000, ou seja, a linha 1 indo até Aguas Claras e a linha 2 até o Campo Grande onde infletiria, ainda subterrânea, em direção ao norte para chegar ao aeroporto.

Com a transferência do metrô em 2013 para o Estado ocorreu uma mudança radical O metrô não vai mais passar na área de maior concentração de serviços, população e transito de carros. Com isto vão continuar os engarrafamentos. A solução adotada em Y reduzirá em 30% a eficiência do sistema. Embora a engenharia da linha 2 não tenha sido “publicizada”, sua descrição pelos jornais dá uma ideia de seu funcionamento. Entre o Acesso Norte e a Rodoviária o metrô correrá ao nível do solo e em um elevado de 200 m. A partir dali seguirá pelo canteiro central da Paralela até o Aeroporto e Lauro de Freitas. Como a Paralela tem muito pouca ocupação ele vai funcionar mais como um trem suburbano que metrô e criará uma barreira intransponível ao nível do solo de 19,5 km separando a cidade rica da orla do Atlântico da cidade pobre do Miolo. 

Imaginem as enormes filas de carros nas duas mãos da Paralela para transpor a linha férrea em quatro ou cinco viadutos, sem faixa para ciclistas nem passeios. Nem Soweto em Johannesburg foi tão segregada durante o apartheid. A Paralela perderá o jardim de Burle Marx para dar lugar a uma ferrovia murada com nove estações que ocuparão toda a largura do canteiro central. Seus moradores, funcionários e trabalhadores terão ainda que suportar a matraca do trem dia e noite. Seus imóveis serão inevitavelmente desvalorizados.

Mas haveria outra solução? Sim. Ao longo da Paralela o metrô poderia correr num “falso túnel”. Esta solução consiste em bater estacas nos dois lados da via, fundir uma laje a 50 cm abaixo do solo atual, refazer o gramado e escavar o túnel. Solução barata, pois não necessita de desapropriações, tatuzão para furar rochas, nem estancar lençol freático. Não perderíamos o parque longitudinal e os retornos e evitaríamos a poluição sonora e visual do projeto atual.

Será que a único critério para concessão de obras públicas é o de menor preço e facilidade para a empreiteira, que depois é superfaturado com aditivos e a obra abandonada na metade, como ocorreu na linha 1. Será que a destruição de uma avenida e a divisão de uma cidade ao meio com muros e alambrados não tem um passivo socioeconômico muito maior que um trem suburbano deficitário?

O Ministério Público Federal pode dar outro rumo a este projeto, pois o processo sobre indícios de fraude na licitação original de 1999 não foi parado (A Tarde 21/02/15). Na composição acionaria do grupo vencedor da atual licitação estão as empreiteiras do imbróglio Consorcio Metrosal, envolvidas também no processo Lava Jato, que serão as executoras da obra. Pau que nasce torto morre torto, diz o proverbio.

segunda-feira, 2 de março de 2015

O ÚLTIMO ENGENHO INTEGRO DA BAHIA

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 1º/03/15
A história brasileira foi sustentada entre o século XVI e parte do XIX pela agroindústria açucareira. A estrutura patriarcal, a escravatura, a miscigenação, as rebeliões libertarias e a cultura popular resultam desta economia, especialmente na Bahia e em Pernambuco, os dois maiores produtores mundiais do período.
Engenho de Baixo, em Aratuipe - Bahia (Foto: Paulo Ormindo)

Dos 500 engenhos da Bahia, em meados do século XIX, não restam senão cerca de dez casas-grandes, algumas capelas e duas ou três fábricas, mas apenas um engenho completo. Quando coordenei o Inventario de Proteção do Acervo Cultural da Bahia (7 volumes) levantamos todos estes testemunhos mas nenhuma das medidas propostas foi adotada. Sobre esta documentação Esterzilda Berenstein de Azevedo escreveu teses de mestrado e doutorado na UFBA e USP. A primeira “Arquitetura do Açúcar” publicada pela Ed. Nobel, 1990. A segunda resumida em “Engenhos do Recôncavo”, IPHAN 2009.
Engenho Freguesia (Fonte Internet)
Um dos mais notáveis monumentos deste ciclo, o engenho Freguesia, pertencente ao estado, permanece em obras há décadas. Sem vigilância, o museu ali instalado teve seu acervo de móveis, louças e cristais roubado e sua fábrica pilhada pelos vizinhos para utilização de suas pedras, madeiras e telhas em suas casas. Uma das poucas fabricas que ainda se mantém, mas sem seus equipamentos, é a do engenho Cajaiba, em São Francisco do Conde. A bela fábrica em arcos foi transformada em cavalariça e depois abandonada.
Engenho Poço Comprido em Pernambuco (Fonte: Internet)
A pobreza da Bahia não é só econômica, mas de empreendedores de talento. Em Pernambuco foi criada a Rota dos Engenhos e Maracatus com pousadas, restaurantes e centros culturais como o existente no belo Poço Comprido. Na Paraíba criaram os Caminhos dos Engenhos. Noventa fazendas de café do vale do Paraíba do Sul são preservadas como pousadas, restaurantes e casas de fim de semana. Na Bahia poderíamos ter a Envolvente dos Engenhos, Capoeira e Samba de Roda do Recôncavo com as cidades históricas, casas-grandes e capelas que ainda restaram e a rica cultura popular local. Será que nossos empresários não têm uma ambição maior que possuir uma Mercedes e uma lancha seminovas?
Engenho de Baixo, em Aratuipe - Bahia (Foto: Paulo Ormindo)
Uma exceção é o casal Arilda e José de Sousa criadores da pousada Catarina Paraguaçu e da academia Vila Forma, que restaurou e deu uso a duas belas casas do Rio Vermelho e o ultimo engenho real da Bahia. O Engenho de Baixo, em Aratuipe, com acesso por Nazaré está completo, possui casa-grande acoplada à fábrica com roda d´água, moenda, forno com tachos, casa de farinha e moinho de dendê, tudo acionado pelas “levadas” d’água. O engenho está em um parque com restos de mata e de uma senzala, açude, pomar, pastos, uma cachoeira e um banheiro-cascata que provoca orgasmos no banho. 
Engenho de Baixo, em Aratuipe - Bahia(Foto: Paulo Ormindo)
Cansados das filas do ferryboat, Arilda e José querem passar o engenho para quem tenha a mesma paixão que eles pela história e pelo belo. Vendem o engenho de cancela fechada, com amimais, móveis do s. XIX e uma coleção notável de instrumentos de trabalho pré e proto-industriais. Não temos tradição de mecenato e cabe ao poder público preservar este parque para ensinar às novas gerações como funcionavam os engenhos, que eram de açúcar para os senhores e de fel para os escravos. Está feito o lembrete. Aprovado?