quinta-feira, 16 de maio de 2013

Urbanidade furtiva

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, SSA, 17/02/2013

Para a nossa classe media desvairada o ideal é o isolamento, os condomínios horizontais fechados com cercas onde não entram estranhos, torres habitacionais defensivas como as de San Gimigniano, na Itália, e se possível integradas a shoppings e escritórios para o morador não ir à rua. Nesses cárceres semiabertos eles compram, efetuam transações bancárias, assistem filmes e leem jornal pela internet. Se o shopping não tem restaurante ordena-se pelo telefone. Se o amor mecânico não basta, ordena-se pela internet E quando for imprescindível ir ao aeroporto ou ao fórum usa-se um carro com película escura anti-arrombamento ou um blindado de terceira mão. Com essa escusa as prefeituras não cuidam dos passeios, dos espaços públicos e dos parques. Dirão que é uma questão de segurança. Não creio que seja só isso.

Torres de apartamento e de escritórios têm sido assaltadas por pseudotécnicos de manutenção e seguranças. Condomínios horizontais de luxo são roubados por “mauricinhos” filhos dos próprios condôminos, em Lauro de Freitas. Como se explica, por outro lado, os elevadores separados, a preferencia por apartamentos um-por-andar, os personal trainers e os óculos escuros de dia e de noite? Chacrinha, o nosso Mcluhan debochado da comunicação, dizia que quando ele ia a uma discoteca, o burguesão, dispensando apresentações, se levantava e o convidava para tomar uma dose de scoth. O mesmo numa gafieira, onde o passista o chamava para a pista ou para tomar uma bia. Mas quando ele entrava em um ambiente e as pessoas o olhavam e baixavam a cabeça ou o olhar sabia que estava em um reduto da classe média. Essa classe é sem duvida a mais preconceituosa e segregacionista. Mas ela pode, em certas circunstancias, baixar a guarda.

Passei o final do ano numa pequena vila, hoje badaladíssima. Curiosamente ali ocorria exatamente o contrario. Na rua direita, ligeiramente torta, não havia carros, as pessoas caminham pelo leito da rua de sandálias de dedo olhando vitrines, parando para bebericar, comer e flertar, cumprimentando estranhos, inclusive vizinhos que nunca cumprimentavam. A meninada e os cachorrinhos de madames corriam soltos sob os olhares relaxados de seus donos. No interior dos bares e botecos a velha classe média, incluindo os “novos pobres” - comerciantes falidos, pensionistas ou demitidos de grandes empresas - e a emergente classe média do primeiro carro e viagem de turismo compartilhavam a mesma mesona consumindo a branquinha na falta do viski. 

Nessa vila nenhum morador foi despejado e hoje são pequenos comerciantes, vendedores de lojas, guias turísticos, garçons, músicos e cantores. Através das portas e janelas das pequenas casas de suas travessas via-se a televisão e o computador antenados no mundo, A violência era zero e a classe media dava férias por um par de dias a seus preconceitos, redescobrindo furtivamente a urbanidade. 

Levei algum tempo para entender, mas descobri que este milagre se devia aos que os romanos chamavam de genius loci, ou mago do local. Ele está ali há pelo menos 550 anos. É o espirito tribal de uma aldeia caeté que precedeu os Ávilas, mistos de bárbaros e nobres, mas nunca classe média, na definição de Chacrinha. Há 40 anos esse espirito se encarnou num empresário-visionário, que trocou uma próspera empresa na selva de concreto paulistana pelo que restou desse latifúndio paradisíaco de 300 km² e 12 km de praias. Misto de hoteleiro e loteador, ele conseguiu manter ali uma tradição de urbanidade já perdida na grande maioria de nossas cidades, não obstante o consumismo desenfreado. Essa é a aldeia global que poderíamos ser, mas preferimos ciar cercas nos condomínios e usar viseiras de burros e óculos escuros para evitar os nossos vizinhos. 

Não passei o carnaval na Praia do Forte, mas imagino quantos preferiram a informalidade daquela vila livre das convenções sociais aos camarotes de acesso restrito, aos currais com abadás de marca, seguranças e cordeiros de aluguel, da capital. Pena que depois do carnaval, ou do final de semana, tudo volte ao “normal”.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Um pingo de sensatez

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, SSA 12/05/12

Informar corretamente deve ser a principal preocupação de quem escreve em jornal, se não quiser se desmoralizar. Por isso volto a um tema velho, de fin de siècle, requentado neste fim de mandato estadual, a ponte de Itaparica. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que ela não trará nenhum beneficio ao Recôncavo e à RMS, nem substituirá lanchas e ferries, a exemplo da Guanabara. Ela saltará olimpicamente de Salvador para a Costa do Dendê, marginalizando uma região com enorme potencial turístico, o Recôncavo. Tampouco é verídica a informação que a Envolvente de Kirimurê irá destruir manguezais e cidades históricas como Cachoeira e São Felix. Ou bem ela passaria a 40 km do litoral, ou pelos apicuns da baia. 

A Envolvente não irá nem tanto ao mar, nem tanto à terra, senão a cerca de três quilômetros do litoral, como a Estrada do Coco e a Linha Verde, ligando o maior porto baiano, Aratu, e indústrias da RMS com o interior, o norte e o sul, ao tempo que facilitará o acesso às praias e cidades de São Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe e Itaparica. Ela reduzirá também em 160 km, ou duas horas de viagem, o acesso à Costa do Dendê e do Cacau. A ponte, sim, atropelará Vera Cruz, Itaparica e Salvador com uma carreata e buzinaço diário de 140 mil carretas, caçambas, ônibus e carros em direção ao Litoral Norte, ao Copec, à Ford, a Sergipe e ao Nordeste, vindos das BRs-101, 116 e BA-242.

Ilusório pensar que a Ilha poderá ser uma opção habitacional para Salvador, quando o emprego está a mais de 70 km, em Camaçari, Candeias e São Francisco do Conde, e dependente de uma ponte de transito intermitente. Nem será tampouco um balneário para idosos do sul, sem praias livres, equipamentos sociais e vida cultural. No último dia três, neste jornal, o consultor-jurídico da Ademi, Bernardo Chezzi, sinalizou que o setor está mais interessado na RMS que num território off-shore. Itaparica será no máximo um porto seco e um pouso de caminheiros, como São Gonçalo, vizinho a Niterói. 

Não é também exata a informação de que em 2010, quando o Estado lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse, qualquer um poderia apresentar alternativas, porque o edital era para a construção e exploração da ponte. Naquele momento a decisão de realizar um projeto de 25 anos de idade, oferecido por uma megaempreiteira local, já estava tomada e seu acesso principal sendo construído, a Via Expressa. Impossível ignorar que uma estrada semelhante fazia parte do plano-diretor do Centro Industrial de Aratu, da década de 1960 e autoria do Arq. Sergio Bernardes, como a via natural de expansão e articulação do CIA com a Refinaria Landulfo Alves e o Temadre. 

Entendo que a Manifestação de Interesse seria para que o vencedor realizasse os estudos de impactos, projeto executivo e gestão, como parte da contrapartida de sua exploração. Mas o que se está vendo é o Estado bancando tais estudos no valor de R$ 90 milhões e iniciando as obras, estimadas em sete bilhões, sem nenhuma contrapartida. Pergunta-se: o que ganhou o Estado com a PMI? Este procedimento garante a concessão da obra sem licitação? Ou vamos ter mais uma PPP assimétrica como a da Arena Itaipava, agora multiplicada por dez ou vinte, num estado que tem dificuldade de pagar o reajuste dos professores e policiais?

Diante da ressaca do tsunami financeiro mundial e desinteresse do setor privado, sua realização é arriscada e improvável no prazo anunciado. Obras de Santa Engrácia é o filé mignon das empreiteiras. Como dizia um velho engenheiro fiscal: construção do governo só tem orçamento e prazo para começar. Levi Vasconcelos em sua coluna Tempo Presente comentava em 24/04: “a Prefeitura de Salvador passou para governo uma dívida de R$130 milhões (do metrô) com as construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez (...). As duas empresas vão receber o dinheiro, mas não bateram um prego por conta dele (....). Simplesmente é o preço pelas sucessivas paralizações”(...). Imaginem a montanha de dinheiro que vamos pagar às empreiteiras se a ponte durar 25 anos, no ritmo do metrô.

Planejando de ponta cabeça

Paulo Ormindo de Azevedo


A Tarde, SSA, em 28/04/2013

Em 1996 participei de um seminário em San Antonio, Texas. Aquela cidade estava planejando um novo aeroporto. A Seplan local havia identificado três possíveis localizações e mandado fazer estudos de impacto ambiental e viabilidade econômica das três alternativas. Em todos os espaços públicos havia, democraticamente, resumos dos estudos, a agenda das audiências e urnas para os cidadãos se manifestarem.

Na Bahia, se está realizando portos, ferrovias e a transposição das aguas do São Francisco, com enormes impactos ambientais e sociais sem discussão com a cidadania. Vou me ater apenas àquelas que afetam a RMS e a Baia de Todos os Santos. Cito a ligação Salvador-Itaparica, a estação de regaseificação, o metro de Salvador e a transferência da rodoviária para Pirajá. Estas são obras projetadas pelas construtoras-imobiliárias, concessionarias e interessados e encampadas acriticamente por um estado tecnicamente desaparelhado que não dispõe senão de 300 engenheiros.

As comunidades técnica e acadêmica e as lideranças sociais não são contra essas obras, senão que querem discutir alternativas e evitar o desperdício de recursos públicos com obras mal planejadas, técnica e financeiramente, que acabam paralisadas por falta de sustentabilidade, como a Linha 1 do Metrô, a Via Náutica, o Parque do Aeroclube, o bonde-moderno e o complexo hoteleiro de Sauipe. Esses projetos carimbados vêm com estudos de viabilidade e de impacto ambiental, mas de escassa credibilidade, porque as empresas consultoras fazem o que manda o cliente e as agencias governamentais as licenciam sob pressão politica.

Ao decidir despejar até 140 mil veículos diários na área central de uma cidade que não tem um anel rodoviário (A Tarde, 2/4/13) ou transferir a estação de ônibus para os confins do município, o Estado está afetando a vida de três milhões de cidadãos sem que eles possam opinar, senão pagar a conta de seu próprio suplício diário. Quando a pressão da sociedade é grande, o Estado simula estar planejando, como no caso do Sistema Viário do Oeste, mas está apenas tentando respaldar uma decisão adotada aprioristicamente sem maiores critérios.

Em reunião recente no fórum a Cidade Também é Nossa, o coordenador do projeto, Paulo Henrique Almeida, afirmou que poderia discutir tudo, menos o ponto de partida e chegada da ponte e sua trajetória. Curiosamente este é o projeto proposto, há mais de vinte anos, por uma construtora/imobiliária baiana e que virou caricatura, ainda hoje provocando risos na internet. Declaração corroborada pelo Secretario Gabrielli, que afirma que a ponte já está em construção. De fato está sendo contratada a sondagem de seus pilares e a modelagem econômica e financeira da obra, embora seu orçamento só será conhecido em janeiro de 2014 quando terminar o projeto de engenharia (A Tarde, 9/4/13).

Ainda vão ser licitados os estudos de impactos ambientais e urbanísticos, que deveriam embasar ou não a decisão. Só depois do projeto fechado, que custará R$ 90,5 milhões, serão feitas audiências públicas como manda a lei (Bahia Negócios, jan/13). Esta é uma metodologia do planejamento ao revés, de ponta cabeça, primeiro se decide e depois se transforma o plano improvisado no “discurso competente”, no dizer de Marilena Chaui, para cooptar o povão pouco informado.

Itaparica e Recôncavo já!


Paulo Ormindo de Azevedo

A Tarde, SSA, 31/03/13

Tenho defendido como alternativa à polemica Ponte Salvador/Itaparica a construção de uma via litorânea abraçando a Baía de Todos os Santos e que transformaria seu hinterland no Reconvexo que Caetano vislumbrou. Via de custo muito menor que a ponte e com ganhos socioeconômicos e culturais maiores por desenvolver o turismo e serviços náuticos na baía e ilhas, revitalizar cidades históricas e integrar os polos industriais e portos situados à sua margem. Estrada que reduzirá o acesso por terra a Itaparica para 110 km, ou 1:20 hs. e de grande importância econômica, por integrar o Copec, o Cia, o Porto de Aratu, o Temadre, a Relan, a estação de regaseificação e os estaleiros de São Roque, ao invés do salto ornamental da ponte ou mergulho na baía. Este sistema poderá se prolongar até o oeste e o sul com a articulação com a Ba-242, o Porto Sul e a ferrovia Leste-Oeste.

Estrada que será feita por etapas com a construção de três pontes e implantação de uma linha férrea em sua faixa de domínio. Esta ultima obra acabará com o gargalo ferroviário de Cachoeira. As três obras d’arte serão nas fozes do Subaé e do Paraguaçu e no estreito de Itaparica. Destas três, a última, de Itaparica, é no meu entender a mais urgente e mais fácil de realizar. Será uma estrutura da extensão e altura da Ponte do Funil, porque por ali só passam barcos pesqueiros e de passeio, mas situada na outra extremidade da ilha, entre a Estação Mocambo na ilha e a Ponta do Dendê, em Salinas das Margaridas. 

Esta ponte reduzirá o atual acesso terrestre à ilha em 90 km e mais de uma hora em rodovias de trafego pesado e perigoso, quais sejam a BR-324 e a BR-101. Encurtará em 57 km o acesso via ferryboat, que se supõe sanado, para os estaleiros de São Roque. Mas esta não é ainda a Envolvente da Baia, porque faltariam as outras duas pontes que irão encurtar radicalmente a viagem. É sim um roteiro de grande interesse turístico, pois integrará as cidades históricas de Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe, São Roque e Itaparica e por extensão São Francisco do Conde e Nazaré.

Sabendo do asfaltamento recente da ligação Maragogipe - São Roque - BA/001, aproveitei o Carnaval para curtir com a família o último engenho integral de açúcar ainda existente no Recôncavo. Trata-se do Engenho de Baixo em terras de Aratuipe, mas de acesso por Nazaré, de propriedade dos amigos José e Arilda de Souza. O casal mantem o engenho com sua represa, cachoeira, roda d’água, tachos, casa de farinha, engenho de dendê, curral e pastos e ainda um museu de arte-decorativa dentro da casa-grande. Arilda e Zé não são apenas proprietários, senão curadores deste parque natucultural, com licença do neologismo. 

Mas a viagem para Nazaré pela nova estrada foi outro espetáculo pelas paisagens do Rio Paraguaçu, Lagamar do Iguape e restos da Mata Atlântica. Fiquei imaginando como aquela primeira ponte poderá aumentar a permanência dos nossos turistas na RMS. Ela integrará um circuito de terra e mar de grande interesse histórico-arquitetônico e artesanal, com as cerâmicas de Coqueiros, Nagé e Maragogipinho e de patrimônio imaterial, com as festas religiosas, sambas-de-roda, feiras de Santo Amaro, Cachoeira e Nazaré durante todo o ano, carnaval de mascarados de Maragogipe e uma culinária de dar agua na boca. 

Numa segunda etapa serão construídas as pontes sobre o Paraguaçu e Subaé, e aproveitas as ligações asfaltadas existentes, como a BA-522, ligação BR-324 - São Francisco do Conde; rodovia BA-878, Santo Amaro - Bom Jesus dos Pobres, e ligação Salinas das Margaridas à nova ponte de Itaparica.

A última fase dessas obras será a construção de uma rodo-ferrovia ligeiramente afastada da costa de acesso às praias, já em parte ocupadas mas outras ainda virgens. A primeira etapa desse sistema pode ser feita já e trará desenvolvimento imediato para o Recôncavo e o turismo na RMS. Mas não quero me alongar, pois estou me tornando um pregador no deserto. Com a palavra o Secretário Leonelli.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O esgarçamento urbano de Salvador

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, SSA, 17/03/13

Há muitas divergências entre os urbanistas, mas num ponto todos concordam: a cidade deve ter uma densidade demográfica e extensão espacial que facilite a comunicação social e a manutenção de redes eficientes de serviços. Nossas cidades são extremamente carentes de serviços. As periferias não contam com esgoto, lixo, abastecimento regular de agua, iluminação e acessibilidade aceitável, para não falar na segurança, na educação e na saúde. Dentro desta logica, a expansão de Salvador deveria ser dirigida para a periferia e para os municípios vizinhos. Na verdade isto já ocorre, mas de forma desordenada, como em Lauro de Freitas, com Itinga, e Camaçari, com a Vila de Abrantes. 
Para o norte e oeste a RMS se alarga como um leque para abrigar os polos industriais do Copec, Ford, Cia, Mataripe, e portos de Aratu e Temadre. A quase totalidade de seus trabalhadores vive na periferia de Salvador porque os municípios em que se encontram, embora ricos, não oferecem habitações nem serviços. Em outras palavras, o Estado nunca infraestruturou a RMS nem articulou Salvador com seus vizinhos. 
Com tanto terreno contiguo é incrível que se defenda expandir Salvador para além-mar, a oito milhas do porto. Em entrevista a A Tarde, do ultimo dia 9, o Secretário Estadual de Planejamento afirma que a Ilha de Itaparica abrigará 280 mil habitantes. Para isto será necessário abrir estradas e ruas, construir escolas, creches e postos de saúde. Levar eletricidade, agua potável, telefonia e dados por um vazio de 13 Km para depois distribuir e construir uma grande estação de esgoto, pois um emissário submarino dentro da baia seria um desastre. Com essas obras o orçamento do Sistema Viário Oeste duplicará e passará dos R$15 bilhões. Incrível é também o contrato de R$40 milhões, por notório saber, de uma empresa alienígena para estudar o impacto na baia e na ilha, quando a UFBA acaba de publicar o mais completo estudo sobre a Baia de Todos os Santos e seu Recôncavo. 
Resta ainda uma interrogação. Quem irá morar na ilha? Seguramente não serão a classe media, nem a alta. Os corretores imobiliários sabem que essas classes querem morar em bairros consolidados, perto de boas universidades, hospitais, shoppings, teatros e cinemas e não ter que enfrentar uma nova Paralela, com o agravante de ser interrompida durante horas para a passagem de plataformas de petróleo. As praias da ilha já foram loteadas e a costa interna é só mangue. Sem essas limitações o Litoral Norte continua um subúrbio chique de casas ocupadas um mês por ano. 
A comparação com o Corredor da Vitória e propaganda enganosa. A centralidade faz toda diferença. E ainda há quem acredite que esta ponte vai ser financiada com leilões de CEPACs - Comprovantes de Potencial Adicional Construtivo. Isto só funciona em áreas centrais hipervalorizadas como o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Podem esperar sentados Donald Trump e Eike Batista para arrematar CEPACs de Caixa Prego e do Duro. 
Por outro lado, não tem sentido botar o proletariado para morar do outro lado da baia e ir trabalhar a 60 km, no Copec ou na Ford, ou em Candeias e perder o dia de trabalho porque enfrentou engarrafamento em Salvador ou a passagem de uma plataforma de petróleo. Nesta perspectiva resta a Itaparica ser um acampamento rodoviário e retro-porto de Salvador como afirma um assessor, uma replica do município de São Gonçalo, vizinho a Niterói. Esta hipótese é confirmada no mesmo caderno imobiliário, quando noticia um grande empreendimento subsidiado de Minha Casa Minha Vida com habitações de 45 e 55 m². Sim, teremos uma Cidade de Deus em Itaparica. 
O que resta deste projeto é a ilusão popular que a ponte irá substituir o ferryboat. Ninguém paga pedágio e enfrenta uma ponte de 13 km para chegar ao Rio engarrafado. As barcas ainda são a melhor solução para cruzar a Guanabara. Se este projeto for adiante por um capricho, nós contribuintes terremos de pagar por muitas décadas seu custo exorbitante. Mas o mais provável é que ele não passe de alguns pilares perdidos na baia, enfeando e atrapalhando a navegação.

Ponte versus indústria náutica e turismo


Paulo Ormindo de Azevedo

A Tarde, SSA, 03/03/13

Quem navega pela internet já viu uma ponte curiosíssima ligando a Dinamarca a Suécia que avança 12 km no Estreito de Oresund até uma ilha artificial onde mergulha em um túnel de 4 km para chegar à outra margem. Apesar de ter um vão central de 500 m e 57m de altura para a passagem de navios, o mergulho foi necessário para assegurar a passagem de plataformas de petróleo e futuros navios, que não param de crescer. Inaugurada em 2000, esta ponte semi-submarina custou US$12 bilhões e não é a única do tipo entre os dois países. Há ainda a ponte Great Belt Fixed Link – Ligação Permanente do Grande Circuito - entre as ilhas Zelândia e Funen inaugurada em 1998. Tamanhos gastos se justificam por serem elas as duas únicas entradas a um bolsão chamado Mar Báltico. 

Nos Estados Unidos, para assegurar acesso à Baía de Chesapeak entre a Virginia e Maryland foram construídas três dessas pontes no arquipélago de sua barra, ligando Norfolk a Virginia Beach. Na Baía de Tóquio uma ponte/túnel com 15 km foi inaugurada em 1997 e custou US 11,2 bilhões na época. Existem mais cinco pontes/túnel rodoferroviárias em todo o mundo em situações semelhantes. Como se vê esta é a única solução capaz de manter grandes baías como centros de produção, integração e lazer. 

Há um ano e meio não se falava da ponte Salvador/Itaparica. Imaginei que o Estado, diante de urgências como obras contra a seca, tivesse desistido da ideia ou pelo menos avançado na concepção do projeto evitando seus piores impactos sobre Salvador e a ilha. Mas não é o que se deduz da contratação por R$ 40 milhões de empresa para estudar meios para mitigar seus impactos. Ponte que renasce às vésperas de uma sucessão indefinida. 

A referida estrutura não é uma ponte de transito livre (fixed link), nem rodoferroviária como as citadas, senão de fluxo intermitente com um vão rotatório (dawbridge), dispositivo obsoleto, que já não se usa em nenhuma parte do mundo. Por outro lado, a exploração do, pré-sal exigirá a construção de plataformas de exploração e regaseificação cada vez maiores e provavelmente refinarias flutuantes, que não passarão pela catraca da ponte proposta. Com os engarrafamentos quilométricos que a interrupção do transito veicular provocará o vão móvel será imobilizado e não passarão mais plataformas de petróleo, os grandes navios de cruzeiro do Canal do Panamá duplicado, nem as futuras cidades turísticas flutuantes. Uma delas, já em projeto, a Freedon Ship, com altura de 104m e pista de aviões no teto ultrapassa em 34 m a altura da nossa ponte. 

Ponte ou indústria naval, esta é a questão! Investir minimamente R$7 bilhões, marginalizar o Recôncavo e condenar à morte uma promissora indústria naval que poderá ser maior que a da Baía da Guanabara, ou construir uma ponte/túnel pela bagatela de R$ 24 bilhões é o dilema dos nossos governantes. Ainda que o governo opte por uma ponte/túnel seu impacto sobre a área central de Salvador e a ilha será devastador. Com mais razão, não podemos comprometer o futuro e as potencialidades de uma das maiores baía do mundo com uma ponte que é tecnicamente ultrapassada. 

Para além desse dilema há uma alternativa bem mais vantajosa. Por um quarto do orçamento da ponte se pode restabelecer a acessibilidade às cidades históricas do Recôncavo, articular as indústrias e portos existentes à margem da baía, como o Arco Rodoviário do Rio de Janeiro, deflagrar o turismo náutico e chegar a Itaparica em 1:20 hs, construindo apenas três pontes, duas sobre o Subaé e o Paraguaçu e uma entre Salinas das Margaridas e Itaparica. Se as razões de ordem ambientais, urbanísticas, socioeconômicas e culturais não tocam os ouvidos dos nossos governantes, perdas econômicas como as acima apontadas poderão demovê-los dessa posição. Mas para que isso aconteça, a sociedade baiana, deve forçar a discussão, Ponte ou Envolvente da Baía, antes que a Baía de Todos os Santos se transforme em uma gamboa com um funil de entrada e tenhamos uma ponte de funcionamento intermitente.