domingo, 18 de janeiro de 2015

A DESASTRADA CULTURA DO M.D.C.

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 18/01/15

Contava-me um sócio de uma construtora média que encontrou no escritório um colega que se inscrevia para uma vaga. Pediu para ver o currículo e perguntou por que ele não mencionava os cursos e os títulos de pós graduação. – “Porque preciso do emprego e se os menciono não serei nem entrevistado”. Contando isso a um grupo de amigos eles disseram que seus filhos foram aconselhados a fazer o mesmo. A grande empresa está trocando profissionais qualificados por recém formados porque ganham menos e se sujeitam a tudo. Por falta de tecnologia nossa indústria perdeu competitividade e nossas exportações são cada vez mais de commodities sem valor agregado. 

Licitações milionárias são feitas com projetos-básicos sem engenharia. Quando uma refinaria orçada em US$ 2 bilhões, como a Abreu e Lima, chega a US$18 bi e não está na metade não é só corrupção, é incompetência e descontrole total. Cerca de 80% de suas obras foram feitas em regime diferenciado de contratações RDC, onde não se pede nem projeto-básico. Hugo Chaves se deu conta a tempo e tirou o cavalinho, ou melhor a PDVSA, da chuva. Raul Castro não fez o mesmo porque cavalo dado não se olha o dente. 

Neste mesmo regime a Copa de 2014 custou a soma das três últimas e nenhuma das obras de mobilidade ficou pronta. É inadmissível que um viaduto caia antes de inaugurado e dois outros estejam interditados (B.H. e Cuiabá) ameaçando cair. O desabamento de um túnel na transposição do São Francisco foi considerado pelo fiscal uma ocorrência normal neste tipo de obra. Isto ocorre porque os órgãos públicos funcionam com contratados REDA, não abrem concurso e poucos têm planos de carreira. 

Nossas universidades estão cheias de professores substitutos, temporários e sem experiência. Para um professor chegar a titular, hoje, não precisa mais fazer concursos de progressão, nem haver vaga, basta ser doutor, ter tempo de serviço e apresentar um memorial. Muitos desses doutores depois do título não escreveram um só artigo. Não é de estranhar que o Brasil, com quase a metade da população da América Latina, não tenha um Nobel, enquanto os hispânicos têm vinte. 

A meritocracia foi abolida do serviço público. Seu sucedâneo é o aparelhamento e a improvisação. O planejamento público foi reduzido ao orçamento. Uma colega funcionaria me disse que fez uma atualização em gestão e comentou com o professor a falta de planejamento das obras. O professor disse que planejamento de estado é coisa do passado, da ditadura. “Estamos fazendo hoje mais planejamento que nunca. As empreiteiras planejam e trazem os projetos-básicos com as licenças ambientais já aprovadas para licitar”. As cinco irmãs não dão prego sem estopa, são todos projetos carimbados. O resultado são obras ruins, superfaturadas, aditadas e desarticuladas. Muitas não servem para nada e foram abandonadas. 

Jorge Amado tinha razão, este é o país do carnaval. Nessa linha não vamos a lugar nenhum. Precisamos superar o complexo de vira-lata e a pratica dolosa do M.D.C. - mínimo denominador comum – e perseguir a excelência e a eficiência para erradicarmos a pobreza e construirmos uma nação desenvolvida. Joãozinho Trinta também tinha razão.

domingo, 4 de janeiro de 2015

DOIS EVENTOS E UMA ESPERANÇA

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 04/01/2015


Final de mandato é época de muitos eventos e renovadas esperanças. Dois eventos que participei merecem registro. O primeiro foi o seminário “O novo perfil das comunidades carentes” promovido pelo Instituto Romulo Almeida, IRAE, na FIEB no dia 9 do mês passado. Este foi o quarto evento promovido pelo IRAE comemorativo do centenário de nascimento de Romulo. A trajetória profissional e política de Rômulo é bem conhecida e dispensa comentários. O instituto vem sendo mantido a duras penas pela dedicação de familiares, como os irmãos Aristeu e Gabriel e o sobrinho Flavio, e antigos colaboradores de Rômulo.

Estes foram marcos importantes para a preservação da memória do grande economista, mas muito pouco tem sido feito pelo poder público para dar continuidade a sua obra como planejador, desde a criação da Comissão de Planejamento Econômico, em 1955, até a concretização do CIA e do COPEC. Ao contrário da União, que conta com o Fundação Getúlio Vargas, e estados como Minas Gerais e Pernambuco que possuem as fundações João Pinheiro e Joaquim Nabuco, a Bahia não possui nenhuma instituição capaz de formar quadros e desenvolver uma teoria do seu desenvolvimento. Pernambuco e Ceará souberam ainda atrair as sedes da CHESF, SUDENE, DENOCS e BNB que têm formado quadros altamente qualificados. Por esta falha, talentos baianos têm que migrar para o Sudeste e estados menores têm maior dinamismo que a Bahia. O melhor resgate deste débito com a inteligência baiana seria o novo governo transformar a FLAM na Fundação Romulo Almeida, uma escola de governo e planejamento.

O segundo evento, não menos importante, realizado no dia 29, deve ser creditado ao último governo. Foi a doação pela Embasa à Secretaria de Desenvolvimento Social de um naco de 11.000 m² do sítio do Queimado, sede da primeira empresa de agua do país. No mesmo ato a secretaria fez a cessão da área por 20 anos à orquestra Neojibá, sua subsidiária, para desenvolvimento de suas atividades de inclusão social pela música. O projeto Neojibá é uma realização de outro baiano notável, o maestro Ricardo Castro. Desde 2007, Ricardo, um festejado pianista de prestigio internacional, lutava por um espaço para treinar suas 4.500 crianças e jovens do sistema de orquestras juvenis do estado, que já excursionou com enorme sucesso pela Europa e Estados Unidos.

Chegou quase a conseguir o auditório de ICEIA, mas na última hora a prefeitura reprovou o projeto. Ricardo não lamentou, porque um consultor japonês de acústica disse que para transformar aquele auditório em uma sala de concerto seria necessário refazer o prédio. No parque do Queimado Ricardo poderá construir do zero uma sala de concerto segundo os melhores princípios acústicos. Mas como conseguir recursos para fazer a sala, já que ele só tem verba de custeio e a Lei Rouanet não financia obras novas? Este é o desafio de Ricardo: conseguir um patrocínio para consolidar e expandir seu projeto. A solenidade foi simples mas significativa e os discursos amenizados pelos instrumentos e vozes afinadas de jovens de um bairro chamado Estrada da Liberdade. A esperança é que o novo governo transforme este codinome em realidade.