domingo, 26 de outubro de 2014

SERGIO RODRIGUES E O MODO BRASILEIRO DE PREGUIÇAR

Paulo Ormindo de Azevedo


O ano de 2014 tem sido de grandes perdas para a arquitetura brasileira. Além de Lelé e do professor Miguel Pereira perdemos em 1º de setembro, aos 87 anos, o arquiteto e designer Sergio Rodrigues. Poucos leitores ouviram falar seu nome, mas muitos não resistiram a experimentar sua envolvente “Poltrona Mole”, criada em 1957 a pedido de um fotógrafo amigo, mas que ficou enfusada nas vitrines durante meses por seu preço elevado. 

Sérgio Rodrigues na Poltrona Mole. Foto: Internet


Carioca formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1952, Sérgio é um dos autores do Centro Cívico de Curitiba, porém se dedicou especialmente à criação de moveis. Dois anos depois de formado foi contratado pela rede chique de lojas Forma como designer de moveis, mas descobre logo que aquela não era a sua praia. Em 1955 abre em Ipanema a loja/estúdio Oca, de arquitetura de interiores e móveis, que logo se transformaria em point de intelectuais. O nome de seu estúdio/fabrica já revela a sua preocupação com as nossas raízes. 


Poltrona Mole. Foto: Internet
Sua projeção internacional advém em 1961 quando ele ganha o 1º prémio no Concurso Internacional do Móvel, em Cantú, Itália com a pouco conhecida “Poltrona Mole”. Esta poltrona é uma robusta estrutura de madeira, em oposição aos móveis de pés de palito da época, que suporta uma rede de couro sobre a qual repousa um enorme almofadado que convida o passante a se esparramar preguiçosamente e tirar uma soneca. Junto com Joaquim Tenreiro e Zanine Caldas ele projeta o design brasileiro no mundo. A Poltrona Mole faz parte hoje do acervo permanente do MoMa de Nova York.


Fonte: Cals, Soraia. Sergio Rodrigues. Rio de Janeiro: S.Cals, 2000.
Em seus treze anos de existência a Oca produziu cerca de mil diferentes modelos de móveis de desenho avançado mas usando os materiais da tradição indígena e luso-brasileira: madeira, couro e palha, ao invés do inox do Bauhaus ou a fibra de vidro, contraplacados moldados e aramados dos americanos Saarinem, Eames e Bertoia ou as espartanas cadeiras de Lina Bardi. Suas cadeiras e poltronas não são rígidas e frias como as acima referidas, senão flexíveis e sensuais ao tacto pois se inspiram nas redes, camas de varas, trançados e tamboretes de nossos índios. São os descansos de Macunaíma. 

Com problemas financeiros ele fecha a Oca em 1968 e abre um atelier onde concebe moveis para monumentos como o Palazzo Doria Pamphili, embaixada do Brasil em Roma, palácios da Alvorada e dos Arcos (Itamaraty) e Teatro Nacional de Brasília além de grandes empresas nacionais e internacionais. Entre 1973 e sua morte ele atua através da empresa Sergio Rodrigues Arquitetura realizando, além da de móveis, casas pré-fabricadas com estrutura de madeira e cobertura de fibra de vidro.
Poltrona Kilin, de 1973
Poltrona Killin, premiada pelo IAB em 1975. Fonte: Internet
Seus móveis foram expostos em Buenos Aires, Madrid, Bruxelas, Roma, Estocolmo e Nova York. Ele recebeu ainda o Prémio do Instituto de Arquitetos do Brasil pela poltrona Killin em 1975, Prémio Lápiz de Plata Buenos Aires 1987, e Premio do Museu da Casa Brasileira de São Paulo pela poltrona Diz, tão macia quanto a Mole embora toda de madeira. Fica minha lembrança desse guru bonachão no casarão de Botafogo, de boina, rabo de cavalo e generoso bigode que filtrava sua fala grave e mansa enquanto debaixo de sua calva juvenil Macunaíma não parava de traquinar. 

domingo, 12 de outubro de 2014

LELÉ: AQUITETURA SOCIAL COM ALTA TECNOLOGIA

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 12/10/14

Apesar de ter marcado Salvador com inovadoras passarelas e equipamentos sociais, o Arq. João da Gama Filgueiras Lima, o Lélé, falecido em maio, foi pouco reconhecido em vida e após a morte por nossas autoridades. Em parte isto se deve a sua extrema discrição e aversão às promoções vazias das revistas de decoração e do top of mind. Lelé estava em outro plano, o da dignificação dos equipamentos sociais licitados pelo menor preço, porque destinados ao povão.

O carioca Lelé desenvolveria seu trabalho de alta tecnologia e relevância social em silencio em Brasília e em Salvador. Na nova capital, levado pelos mestres Nauro Esteves e Oscar Niemeyer, troca a musica e a boemia pela desolação do cerrado. Descoberto por Darcy Ribeiro no canteiro da UNB é enviado à Tchecoslováquia e à Polônia para observar a industrialização da construção fazendo suas primeiras experiências no campus da UNB.

Selecionado professor da UNB em 1962, renuncia com mais 200 colegas e servidores em 1965 em protesto pela transformação da universidade em caserna pelo golpe de 64, mas ganha de Niemeyer sua primeira oportunidade ao projetar o Hospital Regional de Taguatinga. Essa experiência e o nascimento de uma filha com problemas neurológicos orientaram seu trabalho para a questão da saúde e da educação publica. Em parceria com o Dr. Aloysio Campos da Paz inicia na década de 80 a rede hospitalar Sarah que se transformaria em uma referência mundial não só de tratamento do aparelho locomotor como de arquitetura hospitalar.

Sem trabalho, aceita em 1973 o desafio do Secretario Mario Kertész, no governo ACM, para concluir em tempo recorde o Centro Administrativo da Bahia. Deflagra assim a pré-fabricação na Bahia ao lado de obras excepcionais em tecnologia corrente como o portal do CAB e igreja da Ascensão. Constrói ainda a Estação da Lapa, o Complexo de Delegacias e a igreja dos Alagados. No segundo mandato do Prefeito Mario Kertesz, 1985-1989, cria a FAEC, onde aperfeiçoa a tecnologia da argamassa armada ensaiada na comunidade de Abadiana, Goiás, aplicada a escolas, abrigos, escadas-drenantes, lixódutos e passarelas cobertas, que seriam reproduzidas em todo o país. Monta em 15 dias o Palácio Tomé de Souza na Pç. Municipal e recupera com Lina Bardi casas no Pelourinho.

Com a redemocratização, Lelé é levado por Darcy Ribeiro para o Rio para fazer com Niemeyer os CIEPS, no governo de Brizola, e escolas-parques do sistema CIACs em todo o país, na administração de Collor de Mello. Cria em 1991, anexo ao Sarah Salvador, o Centro Tecnológico da Rede Sarah, CTRS, que permitiria pré-fabricar oito hospitais da rede Sarah e seis sedes estaduais do TCU com inovador sistema construtivo e de ventilação natural com baixíssimo consumo energético. Utiliza pioneiramente a mecatrônica para regular automaticamente brise-soleils e claraboias de exaustão, como no Sarah do Rio. Em todas estas obras painéis do artista Athos Bulcão.

Obrigado pelo TCU a fechar o CTRS, Lelé deixa projetos importantes como o Tribunal Regional de Trabalho de Salvador, a Casa da Mulher e habitações populares em encostas engasgados na burocracia estatal e no atraso das nossas construtoras.