domingo, 22 de dezembro de 2013

Duas cidades mexicanas

Paulo Ormindo de Azevedo

Acabo de voltar do México onde participei do XII Congresso Internacional da Organização das Cidades Patrimônio Mundial - OCPM, em Oaxaca. Quis passar quatro dias na Cidade do México, a terceira mais populosa do mundo, com cerca de 19 milhões de habitantes e construída sobre um lago a 2.300 m sobre o mar, em zona sísmica, sujeita tempestades de pó e sem água. O líquido é extraído do subsolo, o que provoca um recalque continuado da cidade, e captado a 1000 m abaixo e bombeado. 

Estive na cidade ha uns quinze anos e o transito era infernal. Agora o trafego me pareceu melhor do que o das principais capitais brasileiras. Isto se deve a grandes investimentos no transporte público. A cidade tem doze linhas de metrô subterrâneo e VLT com 175 estações, redes de BRT(bus rapid transit), troleybus, ônibus e ciclovias. O metrô sobre pneus, como em Paris, transporta quatro milhões de pessoas dia e custa três pesos (R$ 0,60), menos de um décimo do que vai custar o nosso trenzinho de Lauro de Freitas, que irá dividir Salvador no meio. Apesar disto, sobra dinheiro para manter praças, parques, ruas bem arborizadas e mais de 20 museus só na área central, incluindo os novíssimos museus Soumaya e da Memória e da Tolerância. 

Pois é, mobilidade urbana pressupõe subsidio ao transporte coletivo. No Brasil é o contrario. O carro privado tem o IPI reduzido na fabricação, gasolina subsidiada, estacionamento em supermercados e shopping center gratuito e gastam-se horrores na construção de viadutos e na manutenção das vias. E não para por ai, as vagas de carro nos edifícios residenciais e comerciais não pagam nem alvará nem IPTU. E tudo isto para passarmos pelo menos três horas do dia em engarrafamentos. 

Oaxaca é uma cidade de 260 mil habitantes, de batismo asteca e crisma espanhol, berço de muitos artistas, compositores e interpretes musicais e possuidora de culinária e artesanato típicos. A cidade é bem conservada e sua praça principal, o “zocolo”, tem uma vida urbana excepcional com restaurantes em seus “portales”, crianças brincando com balões coloridos, pessoas de todos os níveis sociais namorando em seus bancos, enquanto músicos e artistas de ruas fazem suas performances. Nos feridos a banda mirim toca em seu coreto e em seus passeios há manifestações políticas pacificas. Por isso é uma das 190 cidades e sítios tombados pela UNESCO como patrimônio da humanidade, como Salvador. 

O município vive do turismo e do cultivo do agave com o qual produzem o “mezcal”, uma variedade da tequila. Mas o que espanta mesmo é a vida cultural desta pequena cidade que possui um teatro de opera, bons museus, uma grande biblioteca no convento de Santo Domingo e um jardim etnobotânico com uma bela coleção variadíssima de cactos, além de quatro mercados de artesanato e gastronomia. Durante os jantares que nos ofereceram se apresentaram cantores líricos, “mariachis” e grupos de dança da mais alta qualidade. 

Durante o congresso delegações de várias cidades e representantes de fundações preservacionistas apresentaram suas experiências, discutiram políticas a ser adotadas, e escolheram a nova presidência da OCPM e a sede do próximo congresso. Pude rever cidades latino americanas e européias que acompanho há quarenta anos como consultor da Unesco e constatar que mantêm a sua identidade e garbo. Arequipa, no Peru, competindo com Granada na Espanha e Bali na Indonésia, arrebatou a sede do próximo congresso e Sintra, em Portugal, a presidência da OCPM. Aquele era um fórum de alto nível das mais belas cidades do mundo.

Apesar de o Brasil ter 19 sítios Patrimônio Mundial, o IPHAN não mandou ninguém. Apenas Ouro Preto e Olinda mandaram funcionários de segundo escalão. Não estava ali para representar Salvador, pois nunca fui convidado a opinar sobre seu C.H., senão como convidado da OCPM para participar de um painel sobre “O papel da sociedade na preservação do patrimônio cultural”. Desse modo, fui poupado de um de dois grandes constrangimentos: o de mentir ou o de dizer a verdade sobre o estado da nossa sofrida Salvadolores, no dizer de Fernando da Rocha Perez. 

SSA, A Tarde de 22/12/13

Aproveito para desejar um Feliz Natal e 2014 venturoso a todos Vs.!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Novo modelo de inclusão urbana

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 30/01/2012

Um dos aspectos mais perversos da exclusão social é o monopólio do solo urbano pela especulação, o que faz que os menos favorecidos não tenham outra opção senão se equilibrarem em terrenos periclitantes e/ou de difícil acesso. É o caso das favelas em morros, encostas e alagados, comuns nas cidades brasileiras e latino-americanas. Até bem pouco, os moradores do Morro de Dona Marta no Rio tinham que subir diariamente 788 degraus para chegarem a seus barracos carregando crianças, compras e botijões.

Tal dificuldade de acesso e vácuo do Estado fez com que surgissem nesses territórios de exclusão comunidades dominadas por gangues da droga e do jogo que administram a justiça executando supostos acagüetes e pivetes, decretando o toque de recolher e fechando o comercio quando querem. Em troco do acobertamento de seus ilicitos mantinham, ou mantêm, clubes, creches e funerárias. Estas áreas são os territórios de apoio da guerrilha urbana em que vivemos.

Episódicas ações policiais e/ou do exercito se transformaram em midiáticas operações de guerra com blindados, helicópteros e tropa de elite para prender um determinado criminoso, matando mais inocentes que bandidos. Logo a sociedade se deu conta da brutalidade e inutilidade desses espetáculos televisivos.

Vem de Medelín e Bogotá na Colômbia, aonde a exclusão e violência chegaram a níveis inimagináveis, uma nova doutrina de como lidar com a questão elaborada por urbanistas e professores universitários. Fundamental foi a compreensão de que a acessibilidade é a chave para romper esse circulo vicioso. Com técnicos suíços eles criaram o primeiro sistema de transporte urbano teleférico, complementado por planos inclinados e escadas rolantes, evitando maiores impactos sobre encostas densamente ocupadas. Mas a inclusão dessas comunidades não se restringe à acessibilidade, senão em levar infraestrutura e equipamentos culturais, fazer a regularização fundiária e desmantelar o controle das gangues através de uma nova ordem social baseada na restauração da auto-estima dessas comunidades e policiamento preventivo.

Dentre os equipamentos instalados nessas áreas na Colômbia estão moderníssimas bibliotecas e complexos esportivos para ocupar os jovens o maior tempo possível. O resultado disto foi a queda em 80% da criminalidade em Bogotá e Medelín. Este mesmo sistema está sendo implantado no Rio e outras cidades brasileiras. No Brasil, uma tentativa de inclusão social de favelas já vinha sendo experimentada desde a década de 1980 no Rio, com os Centros Integrados de Educação Publica – CIEPs, imaginados por Darcy Ribeiro, reproduzindo a experiência de Anísio Teixeira aqui no Pau Miúdo. Darcy imaginou colocar escolas-classes encima dos morros e escolas-parques no seu sopé. Quem traduziu isto em termos arquitetônicos foi o nosso Lelé criando escolas tipo Playmobil, cujos componentes podiam ser levados no ombro por operários pelas labirínticas escadarias dos morros.

Mas as escolas-classes de Lelé não eram visíveis ao grande público e Brizola preferiu construir mais escolas-parque, de Niemeyer, desvirtuando a proposta de Darcy. Lelé levaria seu sistema para outras cidades. Aqui, com a mesma preocupação social, criou na administração Mario Kertész a Desau, onde desenvolveu outros equipamentos para as nossas favelas, como escadas drenantes, lixodutos e passarelas articuladoras de encostas com rampas de acesso para cadeirantes e carrinhos de ambulantes.

Ainda no Rio de Janeiro, o Arq. Paulo Conde, Secretário de Urbanismo e depois Prefeito realizou na mesma linha, na década de 90, um amplo programa conhecido como Favela-Bairro. Mas ele pecou por não contemplar adequadamente a questão da acessibilidade. Nisto o tripé colombiano de acessibilidade, cultura e auto-gestão cidadã se mostrou mais eficiente e se transformou em um novo paradigma de inclusão para as cidades do terceiro mundo. Aqui, elevadores e planos inclinados sucessores dos pioneiros guindastes dos séculos XVII e XVIII estão sendo desativados por não serem rentáveis.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O baile dos gambás


Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 17/11/13

Para não cansar os leitores, vou escrever hoje sobre literatura. As fabulas são estórias populares de grande sabedoria recolhidas por alguns escritores. Geralmente elas envolvem animais metafóricos, trazem mensagem morais e têm senso de humor. O grego Esopo foi o primeiro a se preocupar em recolher estas estórias orais no século IV aC. Autores de diferentes épocas recolheram contos populares ou recriaram os de Esopo em outros cenários. Podemos citar entre os seus seguidores o romano Fedro, no inicio da era cristã, e La Fontaine, no século XVII, que recolheu 124 fabulas para oferecer ao filho de Luiz XIV. No Brasil podemos citar Monteiro Lobato e Guimarães Rosa, não menos importantes que gregos e romanos.

Minhas fabulas preferidas de Esopo são “A formiga e a cigarra” e “A raposa e as uvas“, aquela em que o astuto animal depois de saltar várias vezes e não conseguir alcançar belas uvas douradas murmura com desdém: estão verdes! O repertorio da fabulas foi praticamente esgotado por aqueles autores, mas recentemente li uma interessante que não conhecia.

Na periferia de uma grande cidade morava em uma chácara um casal de aposentados. Um dia se instalou na garagem da casa um gambá, que comia a ração do cão, atacava as galinhas e fedia. A dona de casa estava muito incomodada com o invasor, mas logo a noticia se difundiu na vizinhança e todos queriam conhecer o marsupial. A vida do casal mudou com as contínuas visitas de grupos escolares e de representantes do Grupo Gambá, e de suas dissidências: Gambá do B e Gambás Anônimos. Até a bancada de vereadores da reparação dos animais foi visitar o gambá. Os preservacionistas advertiram o casal dos rigores da lei que penalizava aqueles que maltratem ou matem animais em extinção, mais severa que o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que estes não estão em extinção.

A vida do casal virou um inferno e eles não sabiam o que fazer. Desesperado o marido procurou um dos fundadores do Grupo Gambá, meu amigo Renato Cunha, que tranquilizou o pobre homem dizendo: V. pode se livrar dele sem o matar. Basta colocar um rastilho de ração de cachorro no caminho por aonde ele veio até chegar uma mata, onde ele se reintegrará a seu ambiente natural. No dia seguinte, o homem se muniu de uma grande mochila com ração de cachorro e saiu dando voltas pelos canteiros da redondeza até chegar a um curso d’água além do qual havia uma matinha.

Quebrou uns galhos, improvisou uma ponte e esvaziou a mochila na matinha. Voltou eufórico por um atalho para anunciar a solução genial que havia adotado por conselho do amigo. A esposa o ouviu paciente com um sorriso de ironia nos lábios e no final lhe disse: os gambás lhe deram um baile, vá à garagem e veja que agora são quatro e não há mais galinhas.

Moral da estória: a via que leva é a mesma que trás, mas quadriplicada. Quanto mais viadutos inúteis se fizerem numa cidade, maiores serão os engarrafamentos. Enquanto o Rio de Janeiro demole o minhocão das docas, sob o qual havia uma craquelandia, para criar o Porto Maravilha e reestabelecer a visão da baia da Guanabara, Salvador se gaba de criar uma Via Expressa com dez faixas, 14 viadutos (sem nenhum passeio) e três tuneis para ligar um porto seco a um porto molhado e os Dois Leões à Pernambués. No futuro, dizem, esta via deverá dar acesso à Linha Viva, onde não entrarão coletivos, só carros. Alguém, além das empreiteiras, notou qualquer melhoria do trafego na cidade com essas obras de R$ 420,00 milhões? Os engarrafamentos continuam na rótula do Abacaxi e piorou no Barbalho e Soledade.

Esta fabula encenada por este escriba em Salvador não é dele, quem conta é Jan Gehl, o dinamarquês que mais entende de trafego urbano no mundo. Para outro expoente da gestão urbana e mobilidade, Enrique Peñalosa, que nos visitou recentemente, mas não encontrou seguidores, cidade desenvolvida não é aquela que a classe C se arrasta em carangos, senão aquela que a classe A e as demais fluem em transporte coletivo de qualidade. O rodoviarismo, que grassa no país desde meados do século passado, é enfermidade que cega, altamente contagiosa e endêmica na Bahia. Haja concreto!

domingo, 13 de outubro de 2013

Qual o valor dos impostos municipais?

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA; A Tarde, 13/10/13


No Programa Fronteiras do Pensamento, Enrique Peñalosa, o prefeito que em plena resseção revolucionou Bogotá ao restringir a circulação de carros, criar 300 kms de ciclovias e um dos maiores sistemas de BRT – bus rapid transit mundiais, fez conferencias em algumas cidades brasileiras. A de Salvador ocorreu em 1º/10/13 no Teatro Castro Alves. Peñalosa é fanático do sistema inventado pelo Arq. Jaime Lerner, quando prefeito de Curitiba, no inicio dos anos 80, pelo seu baixo custo, flexibilidade e capilaridade. Mas reconhece que Curitiba e Bogotá estão construindo metrôs porque os BRTs só não dão conta. 

Enquanto exalta o BRT, ele execra as autopistas, viadutos e passarelas, que priorizam o carro, cortam e segregam o espaço urbano. Elas devem ser transformadas em avenidas com arvores, passeios de 15 m. de largo e algumas faixas de BRT, pois uma delas substitui 70 de carros. Para diminuir a circulação de carros só há uma maneira: restringir os estacionamentos, como Manhattan e Londres, que proíbe vagas em edifícios na área central, há 50 anos. Peñalosa não disse nenhuma novidade, mas com a autoridade dos resultados que alcanço em Bogotá, que o qualifica a pleitear a presidente da Colômbia, reforçou a posição de técnicos baianos que há 30 anos dizem o mesmo e as autoridades fingem não ouvir.

Apesar de defender o mercado, ele é favorável a desapropriação de vazios e periferias para criação de parques e conter o esgarçamento da cidade. Embora evitando falar de Salvador, seu discurso é antagônico às autopistas em construção na cidade, como a Via Expressa, a Linha Viva, a Paralela, a ponte rodo-imobiliária, o esgarçamento de Salvador até Itaparica e o metrô cercado. O que se está fazendo hoje em Salvador não é nem as obras de modernização conservadora dos anos 70, senão andar na contramão da historia.

O IPTU e o ISS não são apenas uma fonte de arrecadação (7%), são também poderosos instrumentos de politica urbana. Como terceiro mercado imobiliário do país, não podemos continuar na 24ª posição na arrecadação per capta de impostos dentre as capitais. A prefeitura precisa de dinheiro para realizar obras minimamente de conservação, embora muita coisa possa ser feita sem grandes investimentos, como em Bogotá: ciclovias e faixas exclusivas para ônibus e taxis. 

Se se quer desencorajar a circulação de carros, como prega Peñalosa e foi consenso no seminário sobre mobilidade promovido por A Tarde, em 28/08/13, porque não cobrar IPTU sobre as garagens e varandas que representam mais de 50% dos edifícios de apartamentos e escritórios. Há apartamentos com sete vagas de garagem e varandas de 100 m² que não pagam IPTU sobre elas. O mesmo se diga das taxas sobre alvarás de construção e habite-se. Estacionamentos em baldios e em edifícios de escritórios, devem ter seus ISS aumentados exponencialmente para desestimularem a circulação de carros nos centros e sub-centros da cidade.

Há muita evasão e renuncia de impostos. Durante seis anos a Setps não pagou ISS deixando um rombo de R$100 milhões. Não se cobrou ISS das imobiliárias, da Arena da Fifa e agora também do metrô, obras que criaram mais demandas de trafego. Quando vou a Brasília, nos restaurantes me perguntam se quero nota fiscal com CPF para descontar no IPTU. Durante o mandato de João Henrique não se cobrou outorga onerosa sobre construções da Orla Marítima, ao arrepio da lei. Pergunto: é cobrado o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis, inter-vivos - ITBI em transações com transcon? 

Precisamos acabar com essa farra de compensações milionárias de supostas invasões que em muitos casos são apenas loteamentos clandestinos ou consentidos, para transformação de débitos de IPTU em créditos de transcon. Há outros instrumentos que podem aumentar a arrecadação sem onerar o IPTU da classe C, como ampliação da área sujeita a outorga onerosa, operações urbanas consorciadas e cobrança de contribuição de melhoria com um PDDU que não seja de faz de conta. O dilema do atual prefeito é racionalizar a gestão urbana, como fez Peñalosa enfrentando lobbies e carteis, ou morrer na praia, como o findo. 

domingo, 15 de setembro de 2013

O novo Farol da Barra

Paulo Ormindo de Azevedo

No ultimo dia 1º, o Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento da Bahia, promoveu um debate com representantes da Prefeitura e da sociedade sobre o projeto de melhorias do bairro da Barra. Apresentaram o projeto o Secretario Aleluia e a Prado Valadares Arquitetura, sua autora. Pela exposição conclui-se que a nova administração está tentando resgatar o planejamento e discutir o projeto com técnicos civis e a comunidade antes de licitar as obras. Este é um indicativo de conquista da sociedade e de compromisso assumido pelo então candidato a prefeito com os movimentos “Vozes de Salvador” e a “Cidade também é nossa”. 

Inicialmente algumas questões de principio foram levantadas. Por que a recuperação das nossas orlas teria que começar pela Barra, e neste caso, qual o foco principal: o morador, a atividade turística, ou os serviços? Uma terceira questão é sobre o impacto da patuscada do carnaval no bairro. Quanto à primeira, ela se justifica pelo caráter emblemático do bairro na cidade, e pelo fato de ser o ponto de união entre as orlas do Atlântico e da Baia de Todos os Santos. O segundo ponto não ficou muito claro e o terceiro foi considerado incontornável porque foge a competência da Prefeitura. 

Na exposição a maior ênfase foi dada à mobilidade com estudos da TTC Engenharia. Com softwares sofisticados a mobilidade foi tratada como um fluxo de veículos, como a de líquidos, gases ou vapor, com avaliação da capacidade dos dutos e perda de carga em joelhos e curvas. Mas nesse caso o fluido é muito especial, é humano, e ai começam os problemas. Como uma rua estreita com passeios de 80 cm e sem recuos pode receber o trafego de passagem de uma área tão extensa. Não foram ouvidos os moradores, que serão molestados pela falta de estacionamento, descargas de diesel, ronco dos motores e buzinaços durante os engarrafamentos.

Foi contestado também o pavimento compartido, sem meios-fios, em todas as vias do bairro. Este sistema tem sido aplicado em pequenas áreas de trafego restrito a moradores e funcionários em demanda de suas garagens no primeiro mundo. Mas naquelas cidades, o transporte de massa se faz no subsolo, o que não é a condição das nossas vias por onde passará o trafego de todo o bairro e parte da cidade. Imagino os conflitos e prováveis atropelos em um espaço compartido por pedestres, carrinhos de bebês, ciclistas, motos, ônibus, vans, automóveis e caminhões nesses calçadões. Há uma grande diferença qualitativa e quantitativa entre trafego motorizado e de pedestres e ciclistas. Este sistema estaria muito bem no Pelourinho, como era no período colonial, naturalmente com um piso menos irregular que o atual, que é do século XIX.

Ligado a esta questão está a infraestrutura urbana. Em qualquer cidade medianamente desenvolvida, esta infraestrutura é reunida em galerias subterrâneas de fácil monitoramento e reparo, com enorme economia operacional, sem necessidade de destruir o piso das ruas a cada nova ligação ou vazamento. Pelo que foi dito, a Embasa e outras concessionarias se negam a refazer suas redes obsoletas em galerias publicas. Assim sendo o novo piso, que irá de fachada a fachada com capacidade para veículos pesados, voltará a ser esburacado a cada mês. 

Desta reunião prévia com um auditório tecnicamente qualificado resultaram criticas e sugestões muito consistentes que se espera sejam consideradas pela Prefeitura, antes do inicio das obras. Ela, contudo, não dispensa a audiência dos moradores e da comunidade em geral, já que é uma referencia de toda a cidade. O êxito deste projeto depende essencialmente da aceitação e colaboração dos moradores e prestadores de serviço do bairro. O sucesso da recuperação do Time Square e do Soho em Nova Iorque, como de outras áreas decadentes de cidades americanas e canadenses se deve à constituição de BIDs, ou Business Improvement Districts, associações formadas por comerciantes e moradores do bairro, com quem as municipalidades compartem a gestão desses distritos. Este poderá ser o novo farol-guia do desenvolvimento de Salvador. 

Texto original enviado ao jornal A Tarde e publicado em 15/09/13

domingo, 18 de agosto de 2013

Do tempo da machambomba

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA, A Tarde, 18/08/13

Com exceção de alguns pernambucanos velhos, poucos leitores sabem o que é este termo. Os primeiros veículos a motor que rodaram nas nossas cidades, na metade do século XIX, eram bondes a vapor, ou machambombas. O termo é corruptela de “machine pump”, maquina a vapor ou “maria fumaça”. Câmara Cascudo o registra como apelido dos trens da Empresa Trilhos Urbanos do Recife (1867). Também tivemos trens urbanos na Cidade Baixa Os ingleses, pioneiros neste meio de transporte, divulgaram os trens e a expressão em Angola, Moçambique e Guiné Bissau, onde é ainda usado no masculino significando transporte público e buzu fumegante. O Dicionário Houaiss o assinala como regionalismo português significando ônibus velho ou trem em cremalheira.

As “marias fumaças” tinham que rodar a céu aberto. Todas as linhas de trens a vapor que cortavam as cidades europeias e americanas foram postas no subsolo e cobertas de jardins quando da chegada da eletricidade. Pois é, os trens urbanos estão de volta a Salvador. Não serão aquelas locomotivas cinematográficas Baldwin, que inspiraram Villa Lobos em seu “O tremzinho caipira”, senão uma daquelas triviais composições elétricas da Central do Brasil que servem ao subúrbio carioca e trafegam com pingentes até no teto.

Das três alternativas da linha 2 do nosso metrô: 1) em trincheira, mantendo o gramado e abafando o ruído; 2) elevada conservando o gramado mas não evitando o barulho e 3) de superfície acabando com a vegetação e exigindo viadutos e passarelas, os técnicos do Estado preferiram a pior, o seja, uma ferrovia suburbana correndo entre muros e cercas. Ela segregará áreas urbanas, aumentará o congestionamento e inviabilizará outros modais por onde passa. A banda Oeste da cidade estará separada da Leste, numa extensão de 12 km, por esta barreira. Para transpô-la teremos apenas três viadutos com duas faixas em cada direção. A linha 2 do metrô que está sendo construída será mais uma obra bilionária, para júbilo das empreiteiras, que vai criar mais problemas que soluções.

Não creio que tenha sido intencional, mas a linha 2 do metrô e a Via Expressa sitiarão assepticamente o chamado Miolo pobre e desestruturado de Salvador da faixa glamorosa da Orla com praias e condomínios fechados. Os técnicos do Estado dirão que esta é a solução mais barata, como se isso justificasse a segregação sócio-espacial. Mas não é, pelo contrario, só ganha para um monorail aéreo. Os milionários viadutos e passarelas que já começam a ser construídos garrotearão a mobilidade transversal de veículos e a acessibilidade de pessoas.

Um metrô simples construído em trincheira manteria o gramado e dispensaria viadutos e passarelas. Seria silencioso e não obstruiria a visão, os retornos, nem o atravessar o canteiro central. Por que estas questões não são debatidas publicamente? Porque o Estado abdicou da atribuição de planejar e executa apenas os projetos carimbados ofertados pelas empreiteiras, sem a menor analise critica. Esses, sim, planejam a cidade em função de seus interesses e compromissos. Mas a cidade também é nossa!

Audiências públicas em periferias desinformadas, com power points coloridos e maquetes deslumbrantes, quando as decisões já foram tomadas, é teatro que não convence mais ninguém. Gestão democrática e contemporânea passa por construção de alternativas e consultas prévias a conselhos, associações profissionais e universidades que podem decodificar alternativas técnicas complexas para a população e discutir com ela seus efeitos na vida cotidiana. Fora disto é só protesto, depredação, desmoralização e surpresas eleitorais.

Construir uma ferrovia murada cortando a cidade ao meio, com pátios ferroviários e subestações no canteiro central e debaixo de viadutos, como na Av, Bonocô, é uma intervenção urbana grosseira da era carbonífera, quando os trens expeliam rolos de fumaça. É preciso que o público saiba que não se está construindo um metrô, senão uma rede ferroviária urbana da geração das machambombas, com barreiras físicas e sociais que só incrementarão a segregação e a violência. É esta a cidade que queremos construir?

domingo, 7 de julho de 2013

Um plano para a RMS e Baia de Todos os Santos

Paulo Ormindo de Azevedo
Salvador: A Tarde, 07/07/13

A Baia de Todos os Santos e a Região Metropolitana de Salvador são inseparáveis. Esta região, que foi na colônia o suporte econômico da Bahia, amargou no final do século XIX uma profunda crise. Nem a Escola Agrícola de S. Bento das Lajes e os modernos engenhos centrais criados por D. Pedro II conseguiram recuperar sua economia. Por outro lado, “o navio de Cachoeira não navega mais no mar”, com a abertura de estradas de rodagem que marginalizariam o sistema hidroviário da BTS. Assim, Feira de Santana roubou o comercio de S. Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, S. Felix, Maragogipe, S. Roque, Jaguaripe e Nazaré.

Com o inicio da exploração do petróleo no Recôncavo, em 1941, a região refloresce e atrai investimentos como a Relan (1949) e o Temadre. Completa este ciclo o Porto e o Centro Industrial de Aratu, de 1967, e o Copec inaugurado em 1978. Esses novos empreendimentos localizados na parte leste da BTS desenvolveriam e adensariam Lauro de Freitas e Camaçari. Mas no Recôncavo tradicional, a exploração do petróleo minguava e as fabricas de charutos fecharam as portas condenando a região a mais um ciclo de depressão.

Agora o Recôncavo experimenta um novo sopro econômico. Novas tecnologias de petróleo e gás permitiram que Agência Nacional de Petróleo leiloasse 15 blocos no Recôncavo e mais 21 em seu prolongamento, Tucano Sul. Em S. Roque, Mapele, Candeias e Ilha dos Frades estão sendo instalados estaleiros de plataformas e navios, termoelétricas e uma estação de regaseificação. Relan, Temadre e porto de Aratu deverão ser ampliados, enquanto o CIA e o Copec estão sendo duplicados e recebendo novas fabricas. O Governo Federal oferece milhões para desenvolver o turismo na BTS.

O que o que se pergunta é: como a RMS vai receber estes empreendimentos sem ampliar sua infraestrutura? Toda a mão de obra desses polos industriais usa o dormitório-Salvador, pela falta de condições de Simões Filho, Candeias e Camaçari, o que gera congestionamento brutal na BR 324 e na Paralela. A mobilidade e a logística na RMS só se resolvem com novos modais, como ferrovias, metrôs e aerobarcos. O Litoral Norte vai receber o metrô, mas a borda da BTS e as ilhas não dispõem de nenhum transporte de massa. A mobilidade e a logística são fundamentais, mas não podem ser dissociadas da preservação ambiental, da urbanização com boas habitações, hospitais, escolas, lazer e cultura. Urge ser feito um Plano de Desenvolvimento Integrado da BTS e RMS.

Neste cenário, o sistema viário da RMS proposto por Sergio Bernardes no Plano do CIA é mais atual que nunca. Ele previa três circuitos concêntricos. Duas estradas interioranas e uma via praieira, turística, que já foi realizada com as rodovias BA-878 e BA 543, faltando apenas uma ponte sobre a foz do Paraguaçu. Em 2003 os Profs. Angela Gordilho e José Luis de Souza projetaram sua realização como Via Cênica. Com esses subsídios tenho defendido a Envolvente da Baia casando uma autopista com uma ferrovia articulada com as cidades históricas, a Via Cênica e uma ponte ligando Salinas a Itaparica.

Correndo no leito da Linha Sul da ex-Leste, esta ligação rodoferroviária se desviaria em São Gonçalo e seguiria a estrada de Santiago do Iguape, cruzando o Paraguaçu a montante do estaleiro e seguindo pelo leito da antiga ferrovia de Nazaré até S. Antonio de Jesus e dali ligando-se a Linha Centro Sul em Castro Alves. Evitar-se-ia, assim, o gargalo de Cachoeira e se integraria Copec, CIA, porto de Aratu, Temadre, Relan e Estaleiro de S. Roque com as ferrovias Oeste-Leste, BH-Recife e o Porto Sul.

Além de cargas, esta ferrovia funcionaria na RMS como um metrô de superfície integrado ás linhas 1 e 2 do Metrô Salvador-Lauro de Freitas. Este é um plano que pode ser feito por etapas, captando diferentes fontes de funcionamento. Não exige imensas desapropriações, não impacta o meio ambiente e o trafego urbano e marítimo. Que beneficiaria indústria, turismo, agricultura, pesca, comercio, artesanato e cultura e custa pouco. O que mais falta? Kerimorê não quer brida (bridge), quer continuar livre e bela.

domingo, 23 de junho de 2013

Pão e circo já não bastam

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 23/06/13

A gente não quer só comida/ a gente não quer só dinheiro/ a gente quer dinheiro/ e felicidade/ a gente quer inteiro/ e não pela metade... (Os Titãs). Este é o recado dos jovens de todo o país, nesta semana de protestos, como não se via desde a queda de Collor. É sintomático que seu estopim tenha sido a mobilidade, um direito fundamental. Mas o que está subjacente é a falta de participação, a violência, os maus serviços, “a corrupção e o uso indevido do dinheiro publico”, nas palavras de Dilma. E os alvos são claros: os palácios governamentais e as arenas da nebulosa Fifa. Um recado para todo o mundo. As arenas já não bastam, mesmo quando abunda o pão azedo do consumo.

Esta semana foi muito dura em Salvador. Além dos protestos, as chuvas voltaram a castigar, causando mortes e infartando a cidade. Abandonada ao “deixa como está, para ver como é que fica”, ha pelo menos meio século, a cidade carece de tudo: sistema de drenagem, contenção de encostas, pistas refratarias às chuvas e sistema de transporte eficiente. Já disse nesta coluna que o metrô não é tudo e ele ainda vai demorar alguns anos.


A melhoria da mobilidade na nossa cidade depende de três fatores: infraestrutura adequada, gestão urbana compartilhada e uma nova cultura de mobilidade. Para arrancar esse “trem” da inercia é necessário dinheiro, coragem e algum tempo. Dinheiro para investir em sistemas de drenagem e galerias de redes de serviços evitando as valas abertas nas ruas. Para por em funcionamento metrôs, VLTs e ônibus em calhas e para dotar as vias de sub-base de concreto, acabando com as meias-solas sazonais. Se o Estado quer participar, seria melhor investir nesses itens, em vez de em viadutos, que só servem a engordar as empreiteiras e espalhar os engarrafamentos.


Coragem para enfrentar os carteis, para compatibilizar o uso do solo com a capacidade das vias, para exigir o recolhimento de lixo desde as periferias, para a criação de um sistema integrado de transporte, incluindo metrô, ferryboats, ônibus, taxis, ciclovias, ascensores, passarelas e calçadas, Neste sentido, o acordo entre Estado e Prefeitura para compartilhar metrô e ônibus é positivo.
Tempo não só para realizar as obras, como para mudar os valores e comportamentos da nossa classe média, inclusive emergente, com relação ao carro. Mas dez medidas simples podem começar a mover este “trem”, muito antes de seus trilhos chegarem a Cajazeiras e a Lauro de Freitas. São medidas de caráter administrativo, que não custam dinheiro, senão coragem.


A primeira delas é criar faixas monitoradas para ônibus, taxis e motos. A segunda é regulamentar o transporte de cargas, segurando os caminhões pesados em Porto Seco-Pirajá e fixando horários para a entrega de cargas em furgões. Terceiro, qualificando a frota de ônibus com veículos de piso baixo e ar-condicionado. Quarto, acabando com os itinerários labirínticos de ônibus e estabelecendo o bilhete integrado, valido por uma hora.


Quinto, criando ciclovias nas avenidas de vale e bicicletários nos terminais de transporte para os 30% da população que hoje se desloca à pé por não ter como pagar passagens. Sexto, recriando os estacionamentos periféricos servidos por vans circulares. Sétimo, botando os taxis para rodar, como nas cidades desenvolvidas, ao invés de ficarem esperando os passageiros nos pontos. Oitavo, proibindo as filas de carros nas entradas de clínicas, shoppings, universidades e escolas. Nono, criando algumas áreas de circulação restrita de veículos. Decimo, limitando e taxando as vagas de carros nos novos condomínios.


E o metrô? Sem discussão ele vai ser um trenzinho suburbano barulhento, correndo entre muros e cercas com a adaptação fajuta de um projeto carimbado de BRT (Bus Rapit Transit) em metrô. Se fosse um subway em trincheira, como em Brasília, não seriam necessários viadutos e não se destruiria o verde e a paisagem. O povo não quer mais viadutos e pontes. Ha multidões de titãs nas ruas clamando: a gente não quer só comida/ a gente quer a vida/ como a vida quer.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

De volta ao XVIII

Paulo Ormindo de Azevedo 
Publicado em A Tarde, SSA: 09/06/13

Durante três noites sonhei com o Marques de Pombal, aquele de bronze com um leão-de-guarda ao seu lado num pedestal no final da Av. da Liberdade, em Lisboa. Não entendi, porque não estive em Lisboa recentemente e havia lido sua biografia há muito tempo. Convenci-me que ele foi um dos maiores representantes do Despotismo Esclarecido em todo mundo, aquele movimento em que as monarquias absolutistas pegaram carona no Iluminismo para legitimar o poder do rei perante a plebe rude, depois que eles deixaram de representar o poder divino no fim da Idade Média. Eu via Pombal, abrindo mapas e relatórios expondo projetos grandiloquentes, como a criação de companhias monopolistas de comercio, vinho e pesca, a dominação dos índios brasileiros com a expulsão dos jesuítas e o loteamento de Lisboa destruída pelo terremoto, enquanto o leão rugia contra os que se mexiam.

Como fiquei confundido com aquelas visões, resolvi consultar meu analista. E ele me induziu a fazer uma regressão de memoria. Não fui muito longe. Contei-lhe que nas duas últimas semanas havia assistido exposições sobre a Ponte Salvador-Itaparica, algumas delas feitas pelo secretario Gabrielli. Uma, em especial, a realizada no Crea-Ba no dia 29 pp. promovida pelos fóruns A Cidade Também Nossa e Vozes de Salvador, impressionou a todos. O secretario discorreu duas horas exibindo gráficos, mapas e estatísticas, tentando mostrar a excelência de seu projeto. Mas afirmou que a ponte não vai substituir o ferryboat, admitiu que não seria um vetor de minérios e grãos do oeste para o porto de Salvador, que não processa granéis, função melhor desempenhada pela Fiol e Porto Sul e que ainda não sabe como será o financiamento da obra, mas em parte será paga pela mais-valia imobiliária da ilha. Pelo exposto conclui que a importância do Sistema Viário do Oeste, ou melhor, do Sul, orçado preliminarmente em sete bilhões de reais, se resume a um acesso mais rápido à Costa do Dendê.

Como o auditório se mostrasse inquieto, Gabrielli fechou a questão dizendo que os pontos de saída e chegada da ponte e seu traçado já estão definidos, que os editais internacionais para elaboração do projeto executivo e relatórios de impactos ambientais e urbanísticos já foram publicados e que em seis meses será licitada a obra. Que aquela era decisão de governo legitimado pelo voto popular. Assim sendo, a discussão resvalou para uma sabatina afiada sobre o planejamento, a participação popular, os conselhos cidadãos e os efeitos da picada da mosca azul em um antigo maqui dessas causas.

Sobre o macroplanejamento disse que é coisa do passado, da Cepal/ONU, que não tem mais vigência no mundo globalizado, e que hoje são os projetos que moldam o plano. Sobre a participação popular citou Voltaire: não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte seu direito de dizê-lo, porem a decisão está tomada e o governo esta fazendo o melhor com consultorias internacionais. Os conselhos para ele são apenas consultivos, pois não têm responsabilidade, ao contrario do governo. Sobre a mosca azul que o teria picado como presidente da Petrobras, a megacorporação estatal verticalizadíssima, candidato ao governo do Estado e secretario do mesmo, ele negou e disfarçou. O auditório fingiu que acreditou.

Meu analista, que é também um aficionado de historia politica, me disse: V. fez, inconscientemente, uma associação do Despotismo Esclarecido com o regime politico depois de Lula e do Iluminismo com o notório saber das consultoras internacionais, que maquiam os problemas ao gosto do freguês. Ponderei-lhe: a consciência dessas associações pode não me libertar dos pesadelos e a ponte, se feita, irá travar a ilha e Salvador com 135 mil caminhões e carros dia. Ele me tranquilizou dizendo: Paulo, as companhias monopolistas não vingaram, os jesuítas voltaram ao Brasil, o loteamento de Lisboa se limitou à Baixa, sua ocupação tardou um século, e Pombal caiu em desgraça com a sucessão de D. José I. Assim, V. pode dormir tranquilo, que seus temores não têm fundamento! 

sábado, 1 de junho de 2013

Metrô só não basta

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, 14/04/13

Na semana passada Estado e Prefeitura chegaram a um acordo sobe metrô e ônibus. O problema do transito não é só de Salvador, mas aqui assume dimensões alarmantes, porque nossas vias não formam uma rede, são corredores bloqueados, sejam elas de cumeadas, de vales, ou de acessos, como a Paralela e a BR-324. O Epucs, há 70 anos, já propunha uma rede em dois níveis com cruzamentos em viadutos e túneis e alças de ligação entre os dois planos. Alguns túneis foram feitos, mas nenhuma das ligações dos dois níveis.

A questão não é só do metrô e dos ônibus. Sua solução passa pela normatização do uso do solo e mudanças de valores e hábitos. Primeiro, devemos diminuir as viagens, ou seja, todos os bairros devem ter equipamentos sociais e comércios de modo que crianças possam ir à escola e seus pais ao supermercado sem precisar de transporte. Segundo, ela implica na compreensão que a era do carro foi linda, podia-se namorar e passear de baratinhas, mas já era. Se pensarmos a cidade sem eles, se abrem novas perspectivas e teremos uma cidade mais ligeira e socialmente mais rica.

Tomo como exemplo de Copacabana, no Rio. Sua arquitetura de especulação, dos anos 30 e 40, é muito ruim, mas seu urbanismo dez. Depois de ter lido “Uma utopia urbana” do antropólogo Gilberto Velho e assistido “Edifício Master” de Eduardo Coutinho mostrando a vida nos quarto-e-sala do bairro, acabo de redescobrir seus valores de urbanidade, já cantados por Braguinha, Caymmi e Drummond. Experiência vivida, pois tenho um filho morando ali, num sala e três quartos.

Poderia classificá-lo como um bairro pré e pós-calhambeque. Poucos edifícios têm garagem, mas não faz falta, pois existe um metrô. Vai-se andando para o supermercado, para levar o neto na escola, para o restaurante, o calçadão, este espaço de sociabilidade e lazer, e a praia. Com isso, economiza-se a academia e chega-se ao centro em poucos minutos no metrô. São Paulo, a exemplo de cidades europeias e de Nova York, depois de tentar o rodizio, que só aumentou a frota, acaba de proibir o carro na área central, tornando as viagens de ônibus meia hora menos demoradas. Ha meios para diminuir a frota de carros em circulação. Nova York com um enorme metrô não permite novas vagas na ilha e cobra pedágio para entrar.

Não seria tão radical, mas consideraria as garagens como área construída para efeito de coeficiente de aproveitamento (CAM) e taxação. Com isso diminuir-se-ia a frota e os estoques de transcon, ao tempo que aumentaria a arrecadação para investir na melhoria urbana. São medidas duras, como a dieta e a malhação, mas necessárias para ter uma barriga sarada.

Desconstipar Salvador significa criar um novo paradigma de mobilidade coletiva e restrições ao carro. O novo paradigma compreende transportes de qualidade – metrô, VLT e BRT - e sistemas alternativos de circulação, como ciclovias, hidrovias, passarelas, teleféricos e ascensores. Estes são fundamentais em uma cidade com três níveis e foram os primeiros coletivos da cidade, ainda no século XVII, modernizados na era industrial, com guindastes, charriots e parafusos, hoje sendo desativados.

Esses equipamentos não têm uma única solução. O novo metrô pode ser em trincheira, ao nível do solo ou aéreo. A primeira solução evita os impactos sonoros e visuais, mantem o verde e elimina viadutos, mas pode não ser o preferido das empreiteiras. Os VLTs e BRTs de alimentação do metrô devem ser de paradas locais e expressas. Ônibus podem ter assoalho rebaixado e rotas diretas, ou chassi elevado de caminhão e trajetos labirínticos. Mas a primeira hipótese pode não ser a preferida do SETPS. Estas são alternativas técno-sociais que interessam aos cidadãos e que precisam ser discutidas em fóruns representativos e qualificados de toda a cidade e não em audiências enganosas na periferia.

Precisamos, em suma, desprivatizar Salvador colocando empreiteiras, imobiliárias e concessionária no seu lugar, servindo e não garoteando a cidade e remover o lixo do PDDU, do Lous e do Código de Obras.

O que o Centro Antigo precisa

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, 03/02/12

Depois de 50 anos de abandono e algumas intervenções equivocadas, o Centro Antigo precisa de investimentos. E é assim que se entende a reação de alguns intelectuais a novos projetos. Mas investimentos dentro de um planejamento urbano para reintegra-lo à dinâmica da cidade. Não é verdade que a única possibilidade de recuperação de áreas degradadas seja a verticalização. Pelo contrario, a verticalização expulsa e transfere a miséria para a periferia e encostas periclitantes, com a morte da esperança e dos controles sociais.
Nesses bolsões a melhoria da mobilidade e da cultura é fundamental. A inclusão de favelas em Medelín e Bogotá se fez com a instalação do BRT Transmilenio integrado a teleféricos, recuperação de espaços públicos e construção de enormes bibliotecas. Pouquíssimos moradores foram deslocados, mas se expropriou o território das máfias, se ocupou os jovens com a internert e os esportes e se valorizou o patrimônio e a autoestima daquelas populações marginalizadas. A violência urbana foi reduzida para um quinto da anterior. No Rio de Janeiro se está começando a reproduzir estas experiências com resultados já palpáveis.
Recuperar o Centro Antigo de Salvador passa pela reabilitação dos ascensores, pela construção de passarelas ligando o Pelourinho ao Desterro, o Carmo à Saúde e galerias e elevadores subterrâneos conectando a estação de metrô do Campo da Pólvora ao Terreiro de Jesus e ao Comercio. Passa também pela instalação de escadas rolantes ligando a Preguiça e a Contorno ao mirante da Praça Castro Alves. Obras que devem ser complementadas pela criação de um centro cultural dinâmico no Pelourinho, aproveitando construções abandonadas, como os cines Jandaia, Excelsior e Pax, este com um estacionamento vizinho subutilizado e dar um uso cultural ao Solar do Saldanha e não apenas burocrático. A Caixa Econômica e o Banco do Brasil bancariam esses projetos prazerosamente.
Construir uma arena-de-bolso a um custo equivalente a 500 casas populares num dos maiores gargalos da cidade, ameaçando ensurdecer e quebrar as vidraças dos vizinhos, quando temos três arenas subutilizadas e um Parque de Exposições, que é o único espaço capaz de receber os festivais carnavalescos baianos é um desperdício. No mesmo Centro Antigo há projetos mais interessantes e menos custosos esperando financiamento, como a remodelação de três largos e um palco retrátil no Pelourinho capaz de eliminar o mafuá que se arma todo fim de ano e carnaval naquela praça. Fica a pergunta chave, quem irá bancar e administrar a nova arena? A Secretaria de Turismo, que não tem nenhuma tradição neste campo?
Nos últimos 40 anos a cidade foi governada pela “politica do concreto”, ditada pelas empreiteiras e indústria imobiliária. Nenhuma obra urbana importante foi realizada, apenas viadutos que ligam um congestionamento a outro. São obras de baixíssimo nível técnico. Não há um só viaduto alinhado com a pista de acesso ou com concordâncias verticais e superelevações corretas. Há inclusive um túnel que não coincide com o viaduto de acesso. A julgar pelas maquetes exibidas pela Setur, a nova arena descoberta supera tudo em termos de impropriedade urbanística, arquitetônica, paisagística e teatral. Quem conseguirá sentar naquela placa de concreto voltada para o poente e calcinada durante todo o dia? Qual a companhia lírica ou sinfônica de respeito irá programar espetáculos em uma arena descoberta numa cidade que não tem estações fixas. Não estamos em Roma ou em Atenas. Este é mais um elefante branco que se pretende criar na cidade na onda da Copa, zombando da inteligência de seus cidadãos.
Apesar de ter levado a cidade ao fundo do poço, João Henrique provocou uma reação positiva. A cidadania não aceita mais engolir sapos. Nunca se discutiu tanto a cidade nas associações profissionais e de bairros, nos movimentos urbanos, na mídia escrita e falada e em especial nas redes sociais. A Arena Castro Alves é a bola da vez. Queremos investimentos como os sugeridos, mas sem impactos negativos e integrados ao planejamento urbano.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Urbanidade furtiva

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, SSA, 17/02/2013

Para a nossa classe media desvairada o ideal é o isolamento, os condomínios horizontais fechados com cercas onde não entram estranhos, torres habitacionais defensivas como as de San Gimigniano, na Itália, e se possível integradas a shoppings e escritórios para o morador não ir à rua. Nesses cárceres semiabertos eles compram, efetuam transações bancárias, assistem filmes e leem jornal pela internet. Se o shopping não tem restaurante ordena-se pelo telefone. Se o amor mecânico não basta, ordena-se pela internet E quando for imprescindível ir ao aeroporto ou ao fórum usa-se um carro com película escura anti-arrombamento ou um blindado de terceira mão. Com essa escusa as prefeituras não cuidam dos passeios, dos espaços públicos e dos parques. Dirão que é uma questão de segurança. Não creio que seja só isso.

Torres de apartamento e de escritórios têm sido assaltadas por pseudotécnicos de manutenção e seguranças. Condomínios horizontais de luxo são roubados por “mauricinhos” filhos dos próprios condôminos, em Lauro de Freitas. Como se explica, por outro lado, os elevadores separados, a preferencia por apartamentos um-por-andar, os personal trainers e os óculos escuros de dia e de noite? Chacrinha, o nosso Mcluhan debochado da comunicação, dizia que quando ele ia a uma discoteca, o burguesão, dispensando apresentações, se levantava e o convidava para tomar uma dose de scoth. O mesmo numa gafieira, onde o passista o chamava para a pista ou para tomar uma bia. Mas quando ele entrava em um ambiente e as pessoas o olhavam e baixavam a cabeça ou o olhar sabia que estava em um reduto da classe média. Essa classe é sem duvida a mais preconceituosa e segregacionista. Mas ela pode, em certas circunstancias, baixar a guarda.

Passei o final do ano numa pequena vila, hoje badaladíssima. Curiosamente ali ocorria exatamente o contrario. Na rua direita, ligeiramente torta, não havia carros, as pessoas caminham pelo leito da rua de sandálias de dedo olhando vitrines, parando para bebericar, comer e flertar, cumprimentando estranhos, inclusive vizinhos que nunca cumprimentavam. A meninada e os cachorrinhos de madames corriam soltos sob os olhares relaxados de seus donos. No interior dos bares e botecos a velha classe média, incluindo os “novos pobres” - comerciantes falidos, pensionistas ou demitidos de grandes empresas - e a emergente classe média do primeiro carro e viagem de turismo compartilhavam a mesma mesona consumindo a branquinha na falta do viski. 

Nessa vila nenhum morador foi despejado e hoje são pequenos comerciantes, vendedores de lojas, guias turísticos, garçons, músicos e cantores. Através das portas e janelas das pequenas casas de suas travessas via-se a televisão e o computador antenados no mundo, A violência era zero e a classe media dava férias por um par de dias a seus preconceitos, redescobrindo furtivamente a urbanidade. 

Levei algum tempo para entender, mas descobri que este milagre se devia aos que os romanos chamavam de genius loci, ou mago do local. Ele está ali há pelo menos 550 anos. É o espirito tribal de uma aldeia caeté que precedeu os Ávilas, mistos de bárbaros e nobres, mas nunca classe média, na definição de Chacrinha. Há 40 anos esse espirito se encarnou num empresário-visionário, que trocou uma próspera empresa na selva de concreto paulistana pelo que restou desse latifúndio paradisíaco de 300 km² e 12 km de praias. Misto de hoteleiro e loteador, ele conseguiu manter ali uma tradição de urbanidade já perdida na grande maioria de nossas cidades, não obstante o consumismo desenfreado. Essa é a aldeia global que poderíamos ser, mas preferimos ciar cercas nos condomínios e usar viseiras de burros e óculos escuros para evitar os nossos vizinhos. 

Não passei o carnaval na Praia do Forte, mas imagino quantos preferiram a informalidade daquela vila livre das convenções sociais aos camarotes de acesso restrito, aos currais com abadás de marca, seguranças e cordeiros de aluguel, da capital. Pena que depois do carnaval, ou do final de semana, tudo volte ao “normal”.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Um pingo de sensatez

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, SSA 12/05/12

Informar corretamente deve ser a principal preocupação de quem escreve em jornal, se não quiser se desmoralizar. Por isso volto a um tema velho, de fin de siècle, requentado neste fim de mandato estadual, a ponte de Itaparica. Em primeiro lugar é preciso esclarecer que ela não trará nenhum beneficio ao Recôncavo e à RMS, nem substituirá lanchas e ferries, a exemplo da Guanabara. Ela saltará olimpicamente de Salvador para a Costa do Dendê, marginalizando uma região com enorme potencial turístico, o Recôncavo. Tampouco é verídica a informação que a Envolvente de Kirimurê irá destruir manguezais e cidades históricas como Cachoeira e São Felix. Ou bem ela passaria a 40 km do litoral, ou pelos apicuns da baia. 

A Envolvente não irá nem tanto ao mar, nem tanto à terra, senão a cerca de três quilômetros do litoral, como a Estrada do Coco e a Linha Verde, ligando o maior porto baiano, Aratu, e indústrias da RMS com o interior, o norte e o sul, ao tempo que facilitará o acesso às praias e cidades de São Francisco do Conde, Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe e Itaparica. Ela reduzirá também em 160 km, ou duas horas de viagem, o acesso à Costa do Dendê e do Cacau. A ponte, sim, atropelará Vera Cruz, Itaparica e Salvador com uma carreata e buzinaço diário de 140 mil carretas, caçambas, ônibus e carros em direção ao Litoral Norte, ao Copec, à Ford, a Sergipe e ao Nordeste, vindos das BRs-101, 116 e BA-242.

Ilusório pensar que a Ilha poderá ser uma opção habitacional para Salvador, quando o emprego está a mais de 70 km, em Camaçari, Candeias e São Francisco do Conde, e dependente de uma ponte de transito intermitente. Nem será tampouco um balneário para idosos do sul, sem praias livres, equipamentos sociais e vida cultural. No último dia três, neste jornal, o consultor-jurídico da Ademi, Bernardo Chezzi, sinalizou que o setor está mais interessado na RMS que num território off-shore. Itaparica será no máximo um porto seco e um pouso de caminheiros, como São Gonçalo, vizinho a Niterói. 

Não é também exata a informação de que em 2010, quando o Estado lançou o Procedimento de Manifestação de Interesse, qualquer um poderia apresentar alternativas, porque o edital era para a construção e exploração da ponte. Naquele momento a decisão de realizar um projeto de 25 anos de idade, oferecido por uma megaempreiteira local, já estava tomada e seu acesso principal sendo construído, a Via Expressa. Impossível ignorar que uma estrada semelhante fazia parte do plano-diretor do Centro Industrial de Aratu, da década de 1960 e autoria do Arq. Sergio Bernardes, como a via natural de expansão e articulação do CIA com a Refinaria Landulfo Alves e o Temadre. 

Entendo que a Manifestação de Interesse seria para que o vencedor realizasse os estudos de impactos, projeto executivo e gestão, como parte da contrapartida de sua exploração. Mas o que se está vendo é o Estado bancando tais estudos no valor de R$ 90 milhões e iniciando as obras, estimadas em sete bilhões, sem nenhuma contrapartida. Pergunta-se: o que ganhou o Estado com a PMI? Este procedimento garante a concessão da obra sem licitação? Ou vamos ter mais uma PPP assimétrica como a da Arena Itaipava, agora multiplicada por dez ou vinte, num estado que tem dificuldade de pagar o reajuste dos professores e policiais?

Diante da ressaca do tsunami financeiro mundial e desinteresse do setor privado, sua realização é arriscada e improvável no prazo anunciado. Obras de Santa Engrácia é o filé mignon das empreiteiras. Como dizia um velho engenheiro fiscal: construção do governo só tem orçamento e prazo para começar. Levi Vasconcelos em sua coluna Tempo Presente comentava em 24/04: “a Prefeitura de Salvador passou para governo uma dívida de R$130 milhões (do metrô) com as construtoras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez (...). As duas empresas vão receber o dinheiro, mas não bateram um prego por conta dele (....). Simplesmente é o preço pelas sucessivas paralizações”(...). Imaginem a montanha de dinheiro que vamos pagar às empreiteiras se a ponte durar 25 anos, no ritmo do metrô.

Planejando de ponta cabeça

Paulo Ormindo de Azevedo


A Tarde, SSA, em 28/04/2013

Em 1996 participei de um seminário em San Antonio, Texas. Aquela cidade estava planejando um novo aeroporto. A Seplan local havia identificado três possíveis localizações e mandado fazer estudos de impacto ambiental e viabilidade econômica das três alternativas. Em todos os espaços públicos havia, democraticamente, resumos dos estudos, a agenda das audiências e urnas para os cidadãos se manifestarem.

Na Bahia, se está realizando portos, ferrovias e a transposição das aguas do São Francisco, com enormes impactos ambientais e sociais sem discussão com a cidadania. Vou me ater apenas àquelas que afetam a RMS e a Baia de Todos os Santos. Cito a ligação Salvador-Itaparica, a estação de regaseificação, o metro de Salvador e a transferência da rodoviária para Pirajá. Estas são obras projetadas pelas construtoras-imobiliárias, concessionarias e interessados e encampadas acriticamente por um estado tecnicamente desaparelhado que não dispõe senão de 300 engenheiros.

As comunidades técnica e acadêmica e as lideranças sociais não são contra essas obras, senão que querem discutir alternativas e evitar o desperdício de recursos públicos com obras mal planejadas, técnica e financeiramente, que acabam paralisadas por falta de sustentabilidade, como a Linha 1 do Metrô, a Via Náutica, o Parque do Aeroclube, o bonde-moderno e o complexo hoteleiro de Sauipe. Esses projetos carimbados vêm com estudos de viabilidade e de impacto ambiental, mas de escassa credibilidade, porque as empresas consultoras fazem o que manda o cliente e as agencias governamentais as licenciam sob pressão politica.

Ao decidir despejar até 140 mil veículos diários na área central de uma cidade que não tem um anel rodoviário (A Tarde, 2/4/13) ou transferir a estação de ônibus para os confins do município, o Estado está afetando a vida de três milhões de cidadãos sem que eles possam opinar, senão pagar a conta de seu próprio suplício diário. Quando a pressão da sociedade é grande, o Estado simula estar planejando, como no caso do Sistema Viário do Oeste, mas está apenas tentando respaldar uma decisão adotada aprioristicamente sem maiores critérios.

Em reunião recente no fórum a Cidade Também é Nossa, o coordenador do projeto, Paulo Henrique Almeida, afirmou que poderia discutir tudo, menos o ponto de partida e chegada da ponte e sua trajetória. Curiosamente este é o projeto proposto, há mais de vinte anos, por uma construtora/imobiliária baiana e que virou caricatura, ainda hoje provocando risos na internet. Declaração corroborada pelo Secretario Gabrielli, que afirma que a ponte já está em construção. De fato está sendo contratada a sondagem de seus pilares e a modelagem econômica e financeira da obra, embora seu orçamento só será conhecido em janeiro de 2014 quando terminar o projeto de engenharia (A Tarde, 9/4/13).

Ainda vão ser licitados os estudos de impactos ambientais e urbanísticos, que deveriam embasar ou não a decisão. Só depois do projeto fechado, que custará R$ 90,5 milhões, serão feitas audiências públicas como manda a lei (Bahia Negócios, jan/13). Esta é uma metodologia do planejamento ao revés, de ponta cabeça, primeiro se decide e depois se transforma o plano improvisado no “discurso competente”, no dizer de Marilena Chaui, para cooptar o povão pouco informado.

Itaparica e Recôncavo já!


Paulo Ormindo de Azevedo

A Tarde, SSA, 31/03/13

Tenho defendido como alternativa à polemica Ponte Salvador/Itaparica a construção de uma via litorânea abraçando a Baía de Todos os Santos e que transformaria seu hinterland no Reconvexo que Caetano vislumbrou. Via de custo muito menor que a ponte e com ganhos socioeconômicos e culturais maiores por desenvolver o turismo e serviços náuticos na baía e ilhas, revitalizar cidades históricas e integrar os polos industriais e portos situados à sua margem. Estrada que reduzirá o acesso por terra a Itaparica para 110 km, ou 1:20 hs. e de grande importância econômica, por integrar o Copec, o Cia, o Porto de Aratu, o Temadre, a Relan, a estação de regaseificação e os estaleiros de São Roque, ao invés do salto ornamental da ponte ou mergulho na baía. Este sistema poderá se prolongar até o oeste e o sul com a articulação com a Ba-242, o Porto Sul e a ferrovia Leste-Oeste.

Estrada que será feita por etapas com a construção de três pontes e implantação de uma linha férrea em sua faixa de domínio. Esta ultima obra acabará com o gargalo ferroviário de Cachoeira. As três obras d’arte serão nas fozes do Subaé e do Paraguaçu e no estreito de Itaparica. Destas três, a última, de Itaparica, é no meu entender a mais urgente e mais fácil de realizar. Será uma estrutura da extensão e altura da Ponte do Funil, porque por ali só passam barcos pesqueiros e de passeio, mas situada na outra extremidade da ilha, entre a Estação Mocambo na ilha e a Ponta do Dendê, em Salinas das Margaridas. 

Esta ponte reduzirá o atual acesso terrestre à ilha em 90 km e mais de uma hora em rodovias de trafego pesado e perigoso, quais sejam a BR-324 e a BR-101. Encurtará em 57 km o acesso via ferryboat, que se supõe sanado, para os estaleiros de São Roque. Mas esta não é ainda a Envolvente da Baia, porque faltariam as outras duas pontes que irão encurtar radicalmente a viagem. É sim um roteiro de grande interesse turístico, pois integrará as cidades históricas de Santo Amaro, Cachoeira, São Felix, Maragogipe, São Roque e Itaparica e por extensão São Francisco do Conde e Nazaré.

Sabendo do asfaltamento recente da ligação Maragogipe - São Roque - BA/001, aproveitei o Carnaval para curtir com a família o último engenho integral de açúcar ainda existente no Recôncavo. Trata-se do Engenho de Baixo em terras de Aratuipe, mas de acesso por Nazaré, de propriedade dos amigos José e Arilda de Souza. O casal mantem o engenho com sua represa, cachoeira, roda d’água, tachos, casa de farinha, engenho de dendê, curral e pastos e ainda um museu de arte-decorativa dentro da casa-grande. Arilda e Zé não são apenas proprietários, senão curadores deste parque natucultural, com licença do neologismo. 

Mas a viagem para Nazaré pela nova estrada foi outro espetáculo pelas paisagens do Rio Paraguaçu, Lagamar do Iguape e restos da Mata Atlântica. Fiquei imaginando como aquela primeira ponte poderá aumentar a permanência dos nossos turistas na RMS. Ela integrará um circuito de terra e mar de grande interesse histórico-arquitetônico e artesanal, com as cerâmicas de Coqueiros, Nagé e Maragogipinho e de patrimônio imaterial, com as festas religiosas, sambas-de-roda, feiras de Santo Amaro, Cachoeira e Nazaré durante todo o ano, carnaval de mascarados de Maragogipe e uma culinária de dar agua na boca. 

Numa segunda etapa serão construídas as pontes sobre o Paraguaçu e Subaé, e aproveitas as ligações asfaltadas existentes, como a BA-522, ligação BR-324 - São Francisco do Conde; rodovia BA-878, Santo Amaro - Bom Jesus dos Pobres, e ligação Salinas das Margaridas à nova ponte de Itaparica.

A última fase dessas obras será a construção de uma rodo-ferrovia ligeiramente afastada da costa de acesso às praias, já em parte ocupadas mas outras ainda virgens. A primeira etapa desse sistema pode ser feita já e trará desenvolvimento imediato para o Recôncavo e o turismo na RMS. Mas não quero me alongar, pois estou me tornando um pregador no deserto. Com a palavra o Secretário Leonelli.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O esgarçamento urbano de Salvador

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, SSA, 17/03/13

Há muitas divergências entre os urbanistas, mas num ponto todos concordam: a cidade deve ter uma densidade demográfica e extensão espacial que facilite a comunicação social e a manutenção de redes eficientes de serviços. Nossas cidades são extremamente carentes de serviços. As periferias não contam com esgoto, lixo, abastecimento regular de agua, iluminação e acessibilidade aceitável, para não falar na segurança, na educação e na saúde. Dentro desta logica, a expansão de Salvador deveria ser dirigida para a periferia e para os municípios vizinhos. Na verdade isto já ocorre, mas de forma desordenada, como em Lauro de Freitas, com Itinga, e Camaçari, com a Vila de Abrantes. 
Para o norte e oeste a RMS se alarga como um leque para abrigar os polos industriais do Copec, Ford, Cia, Mataripe, e portos de Aratu e Temadre. A quase totalidade de seus trabalhadores vive na periferia de Salvador porque os municípios em que se encontram, embora ricos, não oferecem habitações nem serviços. Em outras palavras, o Estado nunca infraestruturou a RMS nem articulou Salvador com seus vizinhos. 
Com tanto terreno contiguo é incrível que se defenda expandir Salvador para além-mar, a oito milhas do porto. Em entrevista a A Tarde, do ultimo dia 9, o Secretário Estadual de Planejamento afirma que a Ilha de Itaparica abrigará 280 mil habitantes. Para isto será necessário abrir estradas e ruas, construir escolas, creches e postos de saúde. Levar eletricidade, agua potável, telefonia e dados por um vazio de 13 Km para depois distribuir e construir uma grande estação de esgoto, pois um emissário submarino dentro da baia seria um desastre. Com essas obras o orçamento do Sistema Viário Oeste duplicará e passará dos R$15 bilhões. Incrível é também o contrato de R$40 milhões, por notório saber, de uma empresa alienígena para estudar o impacto na baia e na ilha, quando a UFBA acaba de publicar o mais completo estudo sobre a Baia de Todos os Santos e seu Recôncavo. 
Resta ainda uma interrogação. Quem irá morar na ilha? Seguramente não serão a classe media, nem a alta. Os corretores imobiliários sabem que essas classes querem morar em bairros consolidados, perto de boas universidades, hospitais, shoppings, teatros e cinemas e não ter que enfrentar uma nova Paralela, com o agravante de ser interrompida durante horas para a passagem de plataformas de petróleo. As praias da ilha já foram loteadas e a costa interna é só mangue. Sem essas limitações o Litoral Norte continua um subúrbio chique de casas ocupadas um mês por ano. 
A comparação com o Corredor da Vitória e propaganda enganosa. A centralidade faz toda diferença. E ainda há quem acredite que esta ponte vai ser financiada com leilões de CEPACs - Comprovantes de Potencial Adicional Construtivo. Isto só funciona em áreas centrais hipervalorizadas como o Porto Maravilha, no Rio de Janeiro. Podem esperar sentados Donald Trump e Eike Batista para arrematar CEPACs de Caixa Prego e do Duro. 
Por outro lado, não tem sentido botar o proletariado para morar do outro lado da baia e ir trabalhar a 60 km, no Copec ou na Ford, ou em Candeias e perder o dia de trabalho porque enfrentou engarrafamento em Salvador ou a passagem de uma plataforma de petróleo. Nesta perspectiva resta a Itaparica ser um acampamento rodoviário e retro-porto de Salvador como afirma um assessor, uma replica do município de São Gonçalo, vizinho a Niterói. Esta hipótese é confirmada no mesmo caderno imobiliário, quando noticia um grande empreendimento subsidiado de Minha Casa Minha Vida com habitações de 45 e 55 m². Sim, teremos uma Cidade de Deus em Itaparica. 
O que resta deste projeto é a ilusão popular que a ponte irá substituir o ferryboat. Ninguém paga pedágio e enfrenta uma ponte de 13 km para chegar ao Rio engarrafado. As barcas ainda são a melhor solução para cruzar a Guanabara. Se este projeto for adiante por um capricho, nós contribuintes terremos de pagar por muitas décadas seu custo exorbitante. Mas o mais provável é que ele não passe de alguns pilares perdidos na baia, enfeando e atrapalhando a navegação.