Paulo Ormindo de Azevedo
Acabo de voltar do México onde participei do XII Congresso Internacional da Organização das Cidades Patrimônio Mundial - OCPM, em Oaxaca. Quis passar quatro dias na Cidade do México, a terceira mais populosa do mundo, com cerca de 19 milhões de habitantes e construída sobre um lago a 2.300 m sobre o mar, em zona sísmica, sujeita tempestades de pó e sem água. O líquido é extraído do subsolo, o que provoca um recalque continuado da cidade, e captado a 1000 m abaixo e bombeado.
Estive na cidade ha uns quinze anos e o transito era infernal. Agora o trafego me pareceu melhor do que o das principais capitais brasileiras. Isto se deve a grandes investimentos no transporte público. A cidade tem doze linhas de metrô subterrâneo e VLT com 175 estações, redes de BRT(bus rapid transit), troleybus, ônibus e ciclovias. O metrô sobre pneus, como em Paris, transporta quatro milhões de pessoas dia e custa três pesos (R$ 0,60), menos de um décimo do que vai custar o nosso trenzinho de Lauro de Freitas, que irá dividir Salvador no meio. Apesar disto, sobra dinheiro para manter praças, parques, ruas bem arborizadas e mais de 20 museus só na área central, incluindo os novíssimos museus Soumaya e da Memória e da Tolerância.
Pois é, mobilidade urbana pressupõe subsidio ao transporte coletivo. No Brasil é o contrario. O carro privado tem o IPI reduzido na fabricação, gasolina subsidiada, estacionamento em supermercados e shopping center gratuito e gastam-se horrores na construção de viadutos e na manutenção das vias. E não para por ai, as vagas de carro nos edifícios residenciais e comerciais não pagam nem alvará nem IPTU. E tudo isto para passarmos pelo menos três horas do dia em engarrafamentos.
Oaxaca é uma cidade de 260 mil habitantes, de batismo asteca e crisma espanhol, berço de muitos artistas, compositores e interpretes musicais e possuidora de culinária e artesanato típicos. A cidade é bem conservada e sua praça principal, o “zocolo”, tem uma vida urbana excepcional com restaurantes em seus “portales”, crianças brincando com balões coloridos, pessoas de todos os níveis sociais namorando em seus bancos, enquanto músicos e artistas de ruas fazem suas performances. Nos feridos a banda mirim toca em seu coreto e em seus passeios há manifestações políticas pacificas. Por isso é uma das 190 cidades e sítios tombados pela UNESCO como patrimônio da humanidade, como Salvador.
O município vive do turismo e do cultivo do agave com o qual produzem o “mezcal”, uma variedade da tequila. Mas o que espanta mesmo é a vida cultural desta pequena cidade que possui um teatro de opera, bons museus, uma grande biblioteca no convento de Santo Domingo e um jardim etnobotânico com uma bela coleção variadíssima de cactos, além de quatro mercados de artesanato e gastronomia. Durante os jantares que nos ofereceram se apresentaram cantores líricos, “mariachis” e grupos de dança da mais alta qualidade.
Durante o congresso delegações de várias cidades e representantes de fundações preservacionistas apresentaram suas experiências, discutiram políticas a ser adotadas, e escolheram a nova presidência da OCPM e a sede do próximo congresso. Pude rever cidades latino americanas e européias que acompanho há quarenta anos como consultor da Unesco e constatar que mantêm a sua identidade e garbo. Arequipa, no Peru, competindo com Granada na Espanha e Bali na Indonésia, arrebatou a sede do próximo congresso e Sintra, em Portugal, a presidência da OCPM. Aquele era um fórum de alto nível das mais belas cidades do mundo.
Apesar de o Brasil ter 19 sítios Patrimônio Mundial, o IPHAN não mandou ninguém. Apenas Ouro Preto e Olinda mandaram funcionários de segundo escalão. Não estava ali para representar Salvador, pois nunca fui convidado a opinar sobre seu C.H., senão como convidado da OCPM para participar de um painel sobre “O papel da sociedade na preservação do patrimônio cultural”. Desse modo, fui poupado de um de dois grandes constrangimentos: o de mentir ou o de dizer a verdade sobre o estado da nossa sofrida Salvadolores, no dizer de Fernando da Rocha Perez.
SSA, A Tarde de 22/12/13
Aproveito para desejar um Feliz Natal e 2014 venturoso a todos Vs.!
Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 17/11/13
Para não cansar os leitores, vou escrever hoje sobre literatura. As fabulas são estórias populares de grande sabedoria recolhidas por alguns escritores. Geralmente elas envolvem animais metafóricos, trazem mensagem morais e têm senso de humor. O grego Esopo foi o primeiro a se preocupar em recolher estas estórias orais no século IV aC. Autores de diferentes épocas recolheram contos populares ou recriaram os de Esopo em outros cenários. Podemos citar entre os seus seguidores o romano Fedro, no inicio da era cristã, e La Fontaine, no século XVII, que recolheu 124 fabulas para oferecer ao filho de Luiz XIV. No Brasil podemos citar Monteiro Lobato e Guimarães Rosa, não menos importantes que gregos e romanos.
Minhas fabulas preferidas de Esopo são “A formiga e a cigarra” e “A raposa e as uvas“, aquela em que o astuto animal depois de saltar várias vezes e não conseguir alcançar belas uvas douradas murmura com desdém: estão verdes! O repertorio da fabulas foi praticamente esgotado por aqueles autores, mas recentemente li uma interessante que não conhecia.
Na periferia de uma grande cidade morava em uma chácara um casal de aposentados. Um dia se instalou na garagem da casa um gambá, que comia a ração do cão, atacava as galinhas e fedia. A dona de casa estava muito incomodada com o invasor, mas logo a noticia se difundiu na vizinhança e todos queriam conhecer o marsupial. A vida do casal mudou com as contínuas visitas de grupos escolares e de representantes do Grupo Gambá, e de suas dissidências: Gambá do B e Gambás Anônimos. Até a bancada de vereadores da reparação dos animais foi visitar o gambá. Os preservacionistas advertiram o casal dos rigores da lei que penalizava aqueles que maltratem ou matem animais em extinção, mais severa que o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que estes não estão em extinção.
A vida do casal virou um inferno e eles não sabiam o que fazer. Desesperado o marido procurou um dos fundadores do Grupo Gambá, meu amigo Renato Cunha, que tranquilizou o pobre homem dizendo: V. pode se livrar dele sem o matar. Basta colocar um rastilho de ração de cachorro no caminho por aonde ele veio até chegar uma mata, onde ele se reintegrará a seu ambiente natural. No dia seguinte, o homem se muniu de uma grande mochila com ração de cachorro e saiu dando voltas pelos canteiros da redondeza até chegar a um curso d’água além do qual havia uma matinha.
Quebrou uns galhos, improvisou uma ponte e esvaziou a mochila na matinha. Voltou eufórico por um atalho para anunciar a solução genial que havia adotado por conselho do amigo. A esposa o ouviu paciente com um sorriso de ironia nos lábios e no final lhe disse: os gambás lhe deram um baile, vá à garagem e veja que agora são quatro e não há mais galinhas.
Moral da estória: a via que leva é a mesma que trás, mas quadriplicada. Quanto mais viadutos inúteis se fizerem numa cidade, maiores serão os engarrafamentos. Enquanto o Rio de Janeiro demole o minhocão das docas, sob o qual havia uma craquelandia, para criar o Porto Maravilha e reestabelecer a visão da baia da Guanabara, Salvador se gaba de criar uma Via Expressa com dez faixas, 14 viadutos (sem nenhum passeio) e três tuneis para ligar um porto seco a um porto molhado e os Dois Leões à Pernambués. No futuro, dizem, esta via deverá dar acesso à Linha Viva, onde não entrarão coletivos, só carros. Alguém, além das empreiteiras, notou qualquer melhoria do trafego na cidade com essas obras de R$ 420,00 milhões? Os engarrafamentos continuam na rótula do Abacaxi e piorou no Barbalho e Soledade.
Esta fabula encenada por este escriba em Salvador não é dele, quem conta é Jan Gehl, o dinamarquês que mais entende de trafego urbano no mundo. Para outro expoente da gestão urbana e mobilidade, Enrique Peñalosa, que nos visitou recentemente, mas não encontrou seguidores, cidade desenvolvida não é aquela que a classe C se arrasta em carangos, senão aquela que a classe A e as demais fluem em transporte coletivo de qualidade. O rodoviarismo, que grassa no país desde meados do século passado, é enfermidade que cega, altamente contagiosa e endêmica na Bahia. Haja concreto!
Para não cansar os leitores, vou escrever hoje sobre literatura. As fabulas são estórias populares de grande sabedoria recolhidas por alguns escritores. Geralmente elas envolvem animais metafóricos, trazem mensagem morais e têm senso de humor. O grego Esopo foi o primeiro a se preocupar em recolher estas estórias orais no século IV aC. Autores de diferentes épocas recolheram contos populares ou recriaram os de Esopo em outros cenários. Podemos citar entre os seus seguidores o romano Fedro, no inicio da era cristã, e La Fontaine, no século XVII, que recolheu 124 fabulas para oferecer ao filho de Luiz XIV. No Brasil podemos citar Monteiro Lobato e Guimarães Rosa, não menos importantes que gregos e romanos.
Minhas fabulas preferidas de Esopo são “A formiga e a cigarra” e “A raposa e as uvas“, aquela em que o astuto animal depois de saltar várias vezes e não conseguir alcançar belas uvas douradas murmura com desdém: estão verdes! O repertorio da fabulas foi praticamente esgotado por aqueles autores, mas recentemente li uma interessante que não conhecia.
Na periferia de uma grande cidade morava em uma chácara um casal de aposentados. Um dia se instalou na garagem da casa um gambá, que comia a ração do cão, atacava as galinhas e fedia. A dona de casa estava muito incomodada com o invasor, mas logo a noticia se difundiu na vizinhança e todos queriam conhecer o marsupial. A vida do casal mudou com as contínuas visitas de grupos escolares e de representantes do Grupo Gambá, e de suas dissidências: Gambá do B e Gambás Anônimos. Até a bancada de vereadores da reparação dos animais foi visitar o gambá. Os preservacionistas advertiram o casal dos rigores da lei que penalizava aqueles que maltratem ou matem animais em extinção, mais severa que o Estatuto da Criança e do Adolescente, já que estes não estão em extinção.
A vida do casal virou um inferno e eles não sabiam o que fazer. Desesperado o marido procurou um dos fundadores do Grupo Gambá, meu amigo Renato Cunha, que tranquilizou o pobre homem dizendo: V. pode se livrar dele sem o matar. Basta colocar um rastilho de ração de cachorro no caminho por aonde ele veio até chegar uma mata, onde ele se reintegrará a seu ambiente natural. No dia seguinte, o homem se muniu de uma grande mochila com ração de cachorro e saiu dando voltas pelos canteiros da redondeza até chegar a um curso d’água além do qual havia uma matinha.
Quebrou uns galhos, improvisou uma ponte e esvaziou a mochila na matinha. Voltou eufórico por um atalho para anunciar a solução genial que havia adotado por conselho do amigo. A esposa o ouviu paciente com um sorriso de ironia nos lábios e no final lhe disse: os gambás lhe deram um baile, vá à garagem e veja que agora são quatro e não há mais galinhas.
Moral da estória: a via que leva é a mesma que trás, mas quadriplicada. Quanto mais viadutos inúteis se fizerem numa cidade, maiores serão os engarrafamentos. Enquanto o Rio de Janeiro demole o minhocão das docas, sob o qual havia uma craquelandia, para criar o Porto Maravilha e reestabelecer a visão da baia da Guanabara, Salvador se gaba de criar uma Via Expressa com dez faixas, 14 viadutos (sem nenhum passeio) e três tuneis para ligar um porto seco a um porto molhado e os Dois Leões à Pernambués. No futuro, dizem, esta via deverá dar acesso à Linha Viva, onde não entrarão coletivos, só carros. Alguém, além das empreiteiras, notou qualquer melhoria do trafego na cidade com essas obras de R$ 420,00 milhões? Os engarrafamentos continuam na rótula do Abacaxi e piorou no Barbalho e Soledade.
Esta fabula encenada por este escriba em Salvador não é dele, quem conta é Jan Gehl, o dinamarquês que mais entende de trafego urbano no mundo. Para outro expoente da gestão urbana e mobilidade, Enrique Peñalosa, que nos visitou recentemente, mas não encontrou seguidores, cidade desenvolvida não é aquela que a classe C se arrasta em carangos, senão aquela que a classe A e as demais fluem em transporte coletivo de qualidade. O rodoviarismo, que grassa no país desde meados do século passado, é enfermidade que cega, altamente contagiosa e endêmica na Bahia. Haja concreto!