domingo, 20 de julho de 2014

A Copa das surpresas e do despertar

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA, A Tarde de 20/07/14

Um dos ingredientes mais importantes num espetáculo é a surpresa. Neste sentido Copa da FIFA de 2014 foi um sucesso, mas não só por isso. Ninguém poderia imaginar que as seleções da Espanha, Itália e Inglaterra não passariam das eliminatórias, e que o anfitrião pentacampeão tomasse tamanha goleada. Surpresas também positivas, como a Copa transcorreu tranquila, contra todos os prognósticos da mídia, sem violência, arrastões e protestos, inclusive como os que ocorrem durante os World Economic Foruns. 


Comportamento exemplar do publico, inclusive nas derrotas, como dizendo roupa suja se lava em casa, mas tem que ser lavada. Nosso governo que foi desrespeitado e se submeteu a todas as exigências absurda da FIFA, mudando leis, abrindo mão do aluguel das arenas e impostos, tomou coragem não abafando os indícios de corrupção de um diretor da Match ligada à FIFA. 



Surpresa também que países pequenos como a Costa Rica, Bélgica e Holanda chegassem às quartas de finais e perdessem só nos pênaltis. Todos países de grande tradição democrática, que não permitem o desvirtuamento do esporte e transformação dos jogadores em mercadoria de exportação. A Alemanha venceu porque planeja e leva o esporte a serio, com uma seleção domestica, sem prima-donas e gestão técnica. Nossa seleção titular só tinha um jogador de casa, Fred, e teve três técnicos em quatro anos, manipulada pela nebulosa CBF.



Precisamos voltar a ser o país do futebol. Hoje o público nos nossos estádios é menor que o da Austrália e dos EE UU, e com a “gentrificação” das arenas tende a diminuir. As ruas estavam vazias com o povão em casa assistindo aos jogos nas telas grandes de TV. O Fest fan, com telão e shows, era dos turistas e da “elite”. Precisamos fortalecer os times locais e legalizar e equipar nossos campos de várzea e de peladas, que podem tirar nossos jovens da droga. Dos 20.000 jogadores brasileiros, 80% ganham menos de dois salários mínimos, devido a ação da CBF e da mídia televisiva que transformou o futebol do Sul Maravilha em espetáculo de TV de após novela. 



Mas o futebol tem uma função social maior, como dizia Thales de Azevedo em 1973 no artigo “Futebol como objeto de estudo” publicado neste jornal. Ele já exaltava a função educativa do futebol, e o papel da crônica esportiva incentivando o raciocínio critico sobre “as técnicas e estratégias desenvolvidas pelos treinadores, as hierarquias profissionais e sociais nas equipes, as combinações de jogadores no campo, as características de cada membro dos times...”. Outro antropólogo, Roberto da Matta, afirma que o futebol brasileiro reflete a nossa sociedade e vice versa. Foi o que se viu nessa copa.



A TV Globo depois de uma campanha ufanista vazia descobre que o rei está nu e seus repórteres passam a acusar o técnico e os jogadores. Como disse Romário, a culpa não é deles, senão dos cartolas, “um bando de ladrões, corruptos e quadrilheiros”. Campeões mundiais como Pelé e Romário que vêm denunciando o cartel FIFA/CBF/TV foram defenestrados da Copa. Precisamos restaurar o Clube dos 13, ouvir o movimento Bom Senso Futebol Clube e atualizar a Lei Pelé para resgatar o nosso futebol. Que esta derrota, como a de 50, deflagre uma nova era do futebol no país. 

sábado, 5 de julho de 2014

Decifra-me ou te devoro

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 06/07/14.

As grandes manifestações de rua do ano passado, que replicam até hoje, é um enigma semelhante ao da esfinge de Tebas. Ninguém até agora conseguiu decifra-lo. Será que foi por acaso que a multidão tentou invadir o Congresso, o Itamaraty, palácios estaduais e municipais, quebrar agencias de bancos e lojas de carros de luxo e queimar centenas de ônibus em todo o país? 

Quem era e o que queriam aqueles “vândalos”, que segundo as autoridades e mídia não faziam parte do admirável gado novo apascentado, ninguém sabe por quem, pelas avenidas de todas as capitais do país? Estranho que isto ocorra quando 34 milhões saíram da pobreza, o emprego está em alta e a classe media surfa no consumo. As antenas do poeta Arnaldo Antunes já haviam captado esta insatisfação em 1987: “Comida é pasto. A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte. A gente quer saída para qualquer parte. A gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade”. 

Dizer que as manifestações foram apenas contra a Copa e orquestradas pela mesma elite que vaiou a presidente no Itaquerão é querer tapar o sol com a mão. Ainda não existe uma explicação para o fato, mas uma das melhores abordagens da questão foi feita pelo sociólogo e professor da PUC-Rio Luiz Werneck Vianna em entrevista na Revista de Historia da Biblioteca Nacional, do mês de junho, nº 105. Luiz Werneck é um intelectual de esquerda, que não faz parte da elite nem da mídia conservadora.

Werneck afirma que o economicismo tradicionalmente usado para explicar acontecimentos sociais não decifra esses novos fenômenos. “Ficou claro que há uma distancia imensa entre o estado e a sociedade, apesar da existência de todos esses aparelhos... para dar conta de questões especificas, como gênero, juventude”. Conflito que é dramático nas UPPs do Rio e de S. Paulo. “Há um verdadeiro levante popular que não se encontra com nenhuma mediação institucional: partidos, sindicatos, associações. Uma energia muito forte que não é canalizada para um fim determinado” (p.50), afirma ele. 

Werneck admite que o movimento estivesse originalmente ligado a uma classe média emergente e até a setores tradicionais: “O Movimento Passe Livre, por exemplo, nasceu na USP com estudantes de origem financeira mais alta. Mas o fato é que isto galvanizou a imaginação dos jovens que se fizeram presentes. E a questão toda gira em torno de por que eles não encontraram canais visíveis e já estabelecidos para onde essas demandas pudessem desembocar” (p. 50). 

Sobre esta falta de comunicação comenta: “Vencidas as eleições, o PT negligenciou sua própria identidade. Deixou de ser um partido da sociedade civil, mobilizador, e passou a viver como um partido de Estado, com políticas de Estado para seres subalternos selecionados, hiperburocratizado, perdeu capacidade de organização, deixou de exercer papel pedagógico, de ensinar às pessoas o que está passando, o que se pode fazer”(p.52). Os demais partidos também perderam a identidade. “O que se está disputando (agora) nem é um projeto de sociedade ou país. Trata-se de quem irá administrar, no dia a dia, essa cinzenta ordem burguesa no país” (p.53). Esta reflexão é importante para reaproximarmos o estado da sociedade.