domingo, 15 de fevereiro de 2015

CARNAVAL E URBANIDADE

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde,15/02/15


O carnaval era festa pagã transformada pelos cristãos em uma espécie de despedida de solteiro que precedia a quaresma, quando eram proibidos de comer carne no sentido real e figurado. Prefiro falar em carnavais dada a diversidade destas manifestações no tempo e no espaço. O entrudo primitivo tem muito pouco a ver com as carreatas dos anos 40 e o carnaval atual. Do mesmo modo, os carnavais de Veneza, New Orleans, Rio de Janeiro, Recife e Salvador não têm muito em comum.

Mas vou confidenciar uma história. Em março de 1980, a convite do Arq. Carlos Flores Marini, participei na Cidade do México do seminário “El Peaton en el uso de las ciudades”. Enquanto grandes urbanistas mundiais mostravam os sucessos e fracassos da “peatonização” de algumas ruas na Europa e América, eu, um iniciante, fiz uma palestra ilustrada com slides do carnaval de Salvador, onde mostrava toda a área central da cidade ocupada por foliões cantando e dançando durante cinco dias. 

Desenvolvi o tema apoiado na interpretação de Roberto Damatta sobre o carnaval como rito de passagem, em que os foliões, ao invés de vestirem fantasias, se despiam daquelas impostas pela sociedade e assumiam suas verdadeiras identidades regressando à infância ou se transvestindo. A plateia foi ao delírio e o exemplo da Bahia mudou o tom do evento.

Sem negar a teoria de Damatta, me pergunto hoje de que carnaval ele falava? Com os anos fui me convencendo que a festa é muito mais complexa que parece e suas expressões estão muito ligadas à urbanidade e história de cada cidade em que se realiza. O melancólico carnaval de Veneza não estaria associado à cidade condenada ao desaparecimento?

O desfile das escolas de samba do Rio, com seus mestres-salas, porta-bandeiras e comissões de frente não é uma recriação dos desfiles da corte de D. João VI naquela cidade, que impressionaram tanto os quilombolas dos morros cariocas? No fundo as escolas de samba tentam resgatar a nobreza ancestral dos negros perdida com a escravatura. Tinha razão Joãozinho Trinta quando revolucionou o carnaval carioca com um luxo nunca visto, “porque pobre gosta de riqueza, só quem gosta de pobreza é intelectual”. No Recife, os grandes mamulengos-zumbis que rodam no meio do povão que dança frenética e acrobaticamente para despistá-los não será uma caricatura das relações dos pernambucanos com os mauricinhos holandeses e seus descendentes? 

O carnaval tradicional de Salvador foi talvez o mais autêntico e diversificado, refletindo uma sociedade estratificada e tribal com os desfiles dos clubes de classe média, afoxés, cordões, charangas, blocos de índios, cangaceiros e sujos. Mas isto mudou a partir dos anos 50 com o aparecimento dos trios-elétricos que demandavam grandes investimentos e ensejou a criação de uma indústria carnavalesca milionária. Criaram-se trios com cordas de isolamento, mercado futuro de abadás e camarotes com copulatórios. A grande festa da Bahia passou a ser uma das mais segregadoras do país, perdendo sua função de trégua para e interação sócio-racial. O carnaval do sambódromo do Rio está voltando às ruas e o da Bahia para sobreviver precisa libertar os “cordeiros”, tirar o salto-alto e descer dos camarotes.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

MENOS ENGENHEIROS, MAIS MÉDICOS


Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, de 01/02/15

Fiquei otimista com as declarações do governador que iria focar seu governo no Porto Sul e no projeto Águas do Sertão, dois pontos cruciais para o desenvolvimento da Bahia. Estas ações só serão efetivas se forem tratadas como projetos de estado desenvolvidos por instituições competentes públicas e não por empreiteiras que oferecem projetos de ocasião para pegarem obras. Estamos vendo o fracasso da renúncia ao planejamento público com os apagões de energia e agua ao mesmo tempo de inundações no Sudeste. 

Mas a reforma administrativa que se anuncia atinge especialmente a área técnica, A liquidação do que restou do Derba, uma referência da engenharia nacional, com os melhores geólogos, engenheiros e urbanistas da Bahia é preocupante. O Derba não só foi responsável pela criação e manutenção da rede de estradas baianas, em seus 97 anos de vida, como o socorro emergencial de catástrofes naturais, por meio de suas vinte residências. 

Outro órgão técnico que está sendo extinto é a Superintendência de Construções Administrativas, Sucab. Há anos foram liquidadas a Superintendência de Engenharia e Manutenção de Unidades de Saúde, Semus e a Conesc, que cumpria a mesma função com relação às construções escolares. Edificações publicas sem manutenção se transformam em bens de consumo duráveis, que devem ser reconstruídos a cada 15 ou 20 anos com enormes prejuízos para a educação, a saúde e os cofres públicos. 

Na área do planejamento, a Conder, concebida para desenvolver a RMS, foi a partir de 1998 transformada em órgão apenas executor de projetos de empreiteiras. A Interurb responsável pela política de desenvolvimento urbano e articulação municipal no resto do estado foi dissolvida. Os resultados podem ser vistos no abandono da RMS, na transformação de Salvador em vila dormitório e cidades do interior sem saneamento nem mobilidade, lixões a céu aberto e conjuntos habitacionais sem equipamentos. 

Aguas do Sertão, poderá transformar o abandonado semiárido baiano - um terço do Polígono das Secas - numa região produtiva com seu rico potencial mineral, de oleaginosas e fibras e de turístico espeleológico. Mas tudo depende da agua e o anunciado canal Juazeiro/S. José do Jacuipe pode ser uma revolução no tradicionalmente combate à seco com carros-pipas e tanques de fibra em ano eleitoral.

Infelizmente o solitário Porto Sul parece não sair do papel com a queda do valor do minério de ferro. Embora se feche esta porta, outra mais sustentável se abre, o porto de Salinas da Margarida no Canal de Itaparica, com calado de 21 m em aguas abrigadas e junto aos estaleiros de São Roque. Esse complexo industrial-portuário estaria articulado à Relan, ao Cia e ao Copec pela Envolvente Rodoferroviária da Baia de Todos os Santos. Esse polo seria o principal fornecedor de insumos e equipamentos para a exploração do pré-sal e um dos mais importantes hubports do país. Fontes de financiamento não faltariam.

Não podemos realizar esses projetos sem engenheiros. Enquanto a Rússia forma 190 mil deles por ano, a Índia 220 mil e a China 650 mil, nós formamos 40 mil e estamos diminuindo sua participação no governo. Menos engenheiros, mais médicos.