segunda-feira, 24 de novembro de 2014

A REFORMA POLÍTICA QUE PRECISAMOS

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 23/11/14


As manifestações de junho de 2013, a crise econômica, os escândalos de corrupção e disputas na base política do governo evidenciam uma profunda crise de governabilidade. A reforma política foi um dos temas da campanha sucessória. Mas as bandeiras empunhadas pela situação de financiamento público das campanhas eleitorais ou da oposição de ampliação dos mandatos e revogação da reeleição, ou mesmo bandeiras esquecidas como o voto distrital, não vão resolver nada se não for mudado o regime político. 

Desde a redemocratização todas as administrações estiveram envolvidas em suspeitas de suborno, lavagem de dinheiro e superfaturamento de obras. Sarney com a Ferrovia Norte/Sul, Collor de Mello com supostos restos de campanha, FHC com a aprovação da reeleição e os governos do PT com o mensalão e os escândalos da Petrobrás e das empreiteiras. Governos estaduais, como os de Minas, DF, Rio de Janeiro e São Paulo, estiveram também envolvidos em escândalos. 

Por que isto ocorre? Porque temos uma constituição parlamentarista onde tudo deve passar pelo congresso, mas não temos um primeiro-ministro eleito por ele com quem dividiria a responsabilidade do governo, senão um executivo eleito por outra via, que para governar tem que aliciar até mesmo sua base política na base da Lei de Gerson. A corrupção está ligada à ingovernabilidade do regime vigente. 

O parlamentarismo de Ulisses e Tancredo, mas vetado por Sarney, que restaurou o presidencialismo monocrático esquecendo de alterar a constituição, poderia ser a solução para esta mazela, mas é pouco viável no quadro político atual. De qualquer modo, parlamentarismo e presidencialismo que têm suas origens na Inglaterra e EE. UU. são regimes de governo do século XVIII que já não atendem às exigência das relações de poder contemporâneas.

O regime que melhor se adaptaria ao Brasil, ao meu ver, seria o adotado pela constituição da 5ª República Francesa, em 1958, e por Portugal em 1976 e denominado pelo francês Maurice Duverger, em 1978, como semipresidencialismo. Este é o regime adotado pela França, Portugal, Rússia, Ucrânia, Tunísia, Roménia, Taiwan e muitos outros países. Ele é um regime dualista constituído por um presidente eleito pelo voto direto do povo com atribuições da constituição e um primeiro- ministro eleito pelo congresso que lhe respalda as implementações. 

Quando esta interdependência se rompe por um voto de censura do parlamento, o primeiro ministro e seu gabinete caem e é formado um novo governo. Se a crise é mais profunda o presidente convoca uma nova eleição. Na França e na Roménia o presidente é responsável pela política externa e o primeiro-ministro pela interna. Assim no semipresidencialismo o regime se apoia em um tripé formado: pelo congresso que é o legislador, pelo primeiro-ministro e seu gabinete, que é o executor e pelo presidente que com o respaldo popular exerce a função política e moderadora.

Para realização desta mudança de regime é necessário a convocação de uma constituinte e seus membros estariam impedidos de se candidatarem ao mandato imediato. Assim poderíamos fazer as reformas que o país necessita, acabar com a mãe de toda a corrupção e o fantasma dos golpes de estado.

domingo, 9 de novembro de 2014

MORTES NO TRANSITO

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 09/11/14

Um dos efeitos mais trágicos do rodoviarísmo ainda vigente no país são as mortes em carros, motos e atropelos em nossas cidades e estradas. As projeções para este ano são de 48.349 mortes. Em números absolutos ocupamos o quarto lugar nas estatísticas mundiais, só abaixo de países muito mais populosos, como a China e a Índia ou sem infraestrutura, como a Nigéria. Esse número vergonhoso resulta da ausência completa de políticas de transporte público e desmonte dos sistemas ferroviário e da cabotagem no último meio século.

Assustadora são as taxas de acidentes e mortes em motos, cuja frota cresce mais que a de carros devido aos engarrafamentos e facilidade de aquisição. Não temos estatísticas confiáveis de mutilados no transito, mas este é um dos aspectos mais graves dessa política que privilegia a produção, financiamento, combustível e infraestrutura para o veículo individual e nada para os modais públicos e a bicicleta.

Estive em Moçambique em missão da UNESCO, pouco depois da independência. Por toda parte havia mutilados, e continuavam a chegar novos, pois ninguém cadastrou onde pôs as minas-de-pé. Pude então entender a lógica perversa dessa arma que não é feita para matar senão para aleijar, pois um mutilado desmobiliza três soldados: o ferido e dois colegas que vão carregar a maca e lhe dar socorro. Na guerra do transito, um mutilado significa não apenas uma baixa senão duas na cadeia produtiva nacional. Pergunto aos economistas quanto custa à nação este exército de mutilados e em especial quanto ele onera o sistema previdenciário?

Recentemente foi sancionada a Lei 12.971 aumentando em até dez vezes as multas por infrações no transito. Mas a eficiência de uma lei não é função do valor das multas, senão de sua fiscalização. O estado deve compreender que muitas dessas infrações e mortes se devem aos buracos de nossas vias e à falta de sinalização, guard rails, acostamentos, fiscalização e educação para o transito. As nossas escolas de motoristas são moldadas em função de um exame de habilitação obsoleto, que pergunta sobre sinais, primeiros socorros e faz a temível prova da baliza. Este último item não traz segurança a motoristas nem pedestres, senão ao carro do vizinho. Os novos carros fazem isto automaticamente.

A exigência recente dessas escolas instalarem simuladores foi regulamentada de forma equivocada, como uma previa ao início do aprendizado e não como o termino, simulando a direção em auto-estradas, o controle do carro em derrapagem, a direção sob chuva e à noite. Os recém habilitados ignoram a eficiente sinalização dos caminhoneiros e que eles não podem desacelerar em descidas ou subidas para dar passagem a um automóvel em contramão. Que com o motor desligado o freio de um carro não funciona e nesse caso é preciso usar o freio motor e de estacionamento adequadamente. Sem dessa instrução muitos se lançam nas estradas fazendo barbaridades, morrendo e matando. “País desenvolvido não é aquele que os pobres andam de carro, é aquele que os ricos andam de transporte público”, como diz Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, que com Medelín deviam ser exemplos da boa mobilidade e segurança urbana para nós.