domingo, 28 de setembro de 2014

O FIM DA PROPAGANDA VAZIA

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde de 28/09/14

Não me recordo de um campanha eleitoral mais perturbada e aguerrida como esta, continuação aparente de um movimento político-social iniciado em junho de 2013 e sem prazo para terminar. Será este movimento resultado da expansão da classe C e rebaixamento da classe média. Se for, PSDB e PT responsáveis por esse processo são vítimas de fogo amigo. Esta insatisfação se deve à falência do sistema representativo. Para o público os quase 40 partidos são todos farinha do mesmo saco. Nenhum candidato a presidente, governador, deputado ou senador apresenta proposta nova. Ninguém se lembra em quem votou para deputado ou senador, nem se sentiu representado. 

Com processos eleitorais independentes, presidente e governadores também não têm a fidelidade de seus legislativos. Só governam se cooptarem os partidos da base. E esta cooptação obedece à Lei de Gerson criando-se um círculo vicioso. Isto fica evidente quando constatamos que o custo das campanhas para serem bem sucedidas ultrapassam em muito os ganhos salariais auferidos durante o mandato. Os que não seguem esta prática dificilmente são eleitos. Representar o “povo” virou um negócio de família, que no caso da Bahia chega a três gerações. 

A atual campanha exemplifica claramente estes fatos. Os programas partidários ficam apenas registrados no TER. Nas campanhas majoritárias apenas promessas genéricas: melhorar a educação, a saúde e a segurança com mais investimento, mas sem dizer como. Nas companhas legislativas nem isso, apenas uma foto colorida e um número. Para os marqueteiros é preciso não se comprometer com nada, para não ser contestado. Assim, a propaganda dos senadores e deputados é toda igual e mais parece uma campanha da Kolynos. Cerca de 99% dos candidatos exibem reluzentes dentaduras e um numeral, que não chegamos a gravar. Preferia o velho e barato santinho, que guardávamos no bolso para a hora da votação.

Em Salvador esta campanha imagética chega a saturação nas avenidas de vale e na Paralela. A indústria gráfica agradece a campanha multimilionária. Até quinze fotos do mesmo candidato em fila rindo, ninguém sabe de que ou de quem. Em São Paulo cartazes estão proibidas, no Rio, Brasília e demais capitais eles são raros. Dirão que o tempo na televisão é mínimo e nos cartazes, devido à velocidade dos veículos, ninguém lê. Marqueteiros mais criativos poderiam associar o retrato do candidato com sua plataforma: um médico com um estetoscópio, um defensor da Petrobrás com o capacete da companhia, um indignado com uma vassoura. Apenas um boxer aparece com suas luvas e dois candidatos com cachorrinhos. 

Darcy Ribeiro dizia que não existia um cabrito abandonado neste pais, mas as sinaleiras de nossas cidades estavam cheias de crianças abandonadas. Ninguém se propõe ser o protetor das crianças ou do hospital da Irmã Dulce. Na Itália quando fiz um doutorado a justiça eleitoral colocava painéis nos principais pontos das cidade onde os candidatos colavam pequenos cartazes (A4) com sua foto e suas plataformas eleitorais. A única propaganda inovadora desta campanha é um retrato em branco e preto de um candidato inspirado nos versos de Chico: “Já conheço os passos dessa estrada e...”

CORRUPÇÃO E GOVERNABILIDADE

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA:A Tarde, 14/09/14

Há cerca de dois anos perguntei: “Podemos festejar mensalão nunca mais?”, em artigo publicado neste jornal em 16/8/12. Não deu outra, mais um escândalo acaba de explodir ligando grandes empresas públicas e privadas a partidos, políticos e governantes. Esse tema não é novo. Desde a redemocratização, para não falar nas ditaduras, praticamente todas as administrações e partidos estiveram envolvidas em suspeitas de superfaturamentos, lavagem de dinheiro e subornos. Sarney, com o escândalo da Ferrovia Norte/Sul, Collor de Mello com repatriação de dinheiro da campanha do Uruguai, FHC com suposta compra de votos para aprovar a renovação dos mandatos e os governos do PT com o mensalão e o atual escândalo da Petrobrás. Apenas Itamar, o breve, não foi envolvido. Também governos estaduais estiveram envolvidos em escândalos, como os de Minas, Distrito Federal, Rio de Janeiro e São Paulo. 

Em todos os casos a corrupção esteve ligada a compra de votos. Em outras palavras, a corrupção está intimamente ligada à governabilidade. Isso ocorre porque na organização política brasileira não existe fidelidade entre o legislativo e o executivo, como sucede nos regimes parlamentaristas das democracias ocidentais, em que o primeiro-ministro é eleito pelo parlamento. Quando este vínculo se rompe o gabinete cai. Por outro lado, no presidencialismo, o presidente tem mais autonomia que um primeiro-ministro e não depende de medidas provisórias. Nos Estados Unidos o presidente é praticamente um primeiro-ministro, pois é eleito pelos delegados do partido que reunir maior apoio popular. Como o regime é bipartidário, ou se é situação e apoia o governo ou se perde a próxima eleição. 

No Brasil temos um regime bastardo, que não é nem parlamentarista, nem presidencialista, porque em 1988 o presidente Sarney indeferiu a figura do primeiro-ministro da constituição inspirada por Ulysses Guimarães e Tancredo Neves e manteve o presidencialismo clientelista. Assim, tudo tem que passar pelo Congresso e o presidente para governar deve disputar o apoio da maioria dos 500 deputados federais e 80 senadores; Aí se estabelece uma barganha promiscua entre o executivo e o legislativo. Nessa barganha entram cargos, liberação de recursos para obras e valores menos ortodoxos que vêm do tesouro e das estatais. É neste ponto que entram as empreiteiras superfaturando as obras e lavando dinheiro para fidelizar a base política do governo. O mesmo se repete nos governos estaduais e municipais. 

O regime político bastardo vigente é estruturalmente corrupto e não será sarado apenas com o financiamento público das campanhas eleitorais e pequenos ajustes, como apregoam os políticos. Ou encaramos seriamente o parlamentarismo, como na maioria das democracias ocidentais, ou continuaremos a ser uma pseudo-democracia latino-americana desigual e corrupta. Precisamos de um parlamentarismo com partidos fortes, que necessariamente se formarão, e não o arremedo adotado no II Reinado e em 1961 para driblar Jango ou manipulado como no plebiscito de 1993 em que se confundia parlamentarismo com monarquismo. Este é o dilema da nossa sociedade nesta eleição, que os nossos políticos fingem ignorar para não perderem o cheque em branco que têm em mão.