domingo, 23 de junho de 2013

Pão e circo já não bastam

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 23/06/13

A gente não quer só comida/ a gente não quer só dinheiro/ a gente quer dinheiro/ e felicidade/ a gente quer inteiro/ e não pela metade... (Os Titãs). Este é o recado dos jovens de todo o país, nesta semana de protestos, como não se via desde a queda de Collor. É sintomático que seu estopim tenha sido a mobilidade, um direito fundamental. Mas o que está subjacente é a falta de participação, a violência, os maus serviços, “a corrupção e o uso indevido do dinheiro publico”, nas palavras de Dilma. E os alvos são claros: os palácios governamentais e as arenas da nebulosa Fifa. Um recado para todo o mundo. As arenas já não bastam, mesmo quando abunda o pão azedo do consumo.

Esta semana foi muito dura em Salvador. Além dos protestos, as chuvas voltaram a castigar, causando mortes e infartando a cidade. Abandonada ao “deixa como está, para ver como é que fica”, ha pelo menos meio século, a cidade carece de tudo: sistema de drenagem, contenção de encostas, pistas refratarias às chuvas e sistema de transporte eficiente. Já disse nesta coluna que o metrô não é tudo e ele ainda vai demorar alguns anos.


A melhoria da mobilidade na nossa cidade depende de três fatores: infraestrutura adequada, gestão urbana compartilhada e uma nova cultura de mobilidade. Para arrancar esse “trem” da inercia é necessário dinheiro, coragem e algum tempo. Dinheiro para investir em sistemas de drenagem e galerias de redes de serviços evitando as valas abertas nas ruas. Para por em funcionamento metrôs, VLTs e ônibus em calhas e para dotar as vias de sub-base de concreto, acabando com as meias-solas sazonais. Se o Estado quer participar, seria melhor investir nesses itens, em vez de em viadutos, que só servem a engordar as empreiteiras e espalhar os engarrafamentos.


Coragem para enfrentar os carteis, para compatibilizar o uso do solo com a capacidade das vias, para exigir o recolhimento de lixo desde as periferias, para a criação de um sistema integrado de transporte, incluindo metrô, ferryboats, ônibus, taxis, ciclovias, ascensores, passarelas e calçadas, Neste sentido, o acordo entre Estado e Prefeitura para compartilhar metrô e ônibus é positivo.
Tempo não só para realizar as obras, como para mudar os valores e comportamentos da nossa classe média, inclusive emergente, com relação ao carro. Mas dez medidas simples podem começar a mover este “trem”, muito antes de seus trilhos chegarem a Cajazeiras e a Lauro de Freitas. São medidas de caráter administrativo, que não custam dinheiro, senão coragem.


A primeira delas é criar faixas monitoradas para ônibus, taxis e motos. A segunda é regulamentar o transporte de cargas, segurando os caminhões pesados em Porto Seco-Pirajá e fixando horários para a entrega de cargas em furgões. Terceiro, qualificando a frota de ônibus com veículos de piso baixo e ar-condicionado. Quarto, acabando com os itinerários labirínticos de ônibus e estabelecendo o bilhete integrado, valido por uma hora.


Quinto, criando ciclovias nas avenidas de vale e bicicletários nos terminais de transporte para os 30% da população que hoje se desloca à pé por não ter como pagar passagens. Sexto, recriando os estacionamentos periféricos servidos por vans circulares. Sétimo, botando os taxis para rodar, como nas cidades desenvolvidas, ao invés de ficarem esperando os passageiros nos pontos. Oitavo, proibindo as filas de carros nas entradas de clínicas, shoppings, universidades e escolas. Nono, criando algumas áreas de circulação restrita de veículos. Decimo, limitando e taxando as vagas de carros nos novos condomínios.


E o metrô? Sem discussão ele vai ser um trenzinho suburbano barulhento, correndo entre muros e cercas com a adaptação fajuta de um projeto carimbado de BRT (Bus Rapit Transit) em metrô. Se fosse um subway em trincheira, como em Brasília, não seriam necessários viadutos e não se destruiria o verde e a paisagem. O povo não quer mais viadutos e pontes. Ha multidões de titãs nas ruas clamando: a gente não quer só comida/ a gente quer a vida/ como a vida quer.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

De volta ao XVIII

Paulo Ormindo de Azevedo 
Publicado em A Tarde, SSA: 09/06/13

Durante três noites sonhei com o Marques de Pombal, aquele de bronze com um leão-de-guarda ao seu lado num pedestal no final da Av. da Liberdade, em Lisboa. Não entendi, porque não estive em Lisboa recentemente e havia lido sua biografia há muito tempo. Convenci-me que ele foi um dos maiores representantes do Despotismo Esclarecido em todo mundo, aquele movimento em que as monarquias absolutistas pegaram carona no Iluminismo para legitimar o poder do rei perante a plebe rude, depois que eles deixaram de representar o poder divino no fim da Idade Média. Eu via Pombal, abrindo mapas e relatórios expondo projetos grandiloquentes, como a criação de companhias monopolistas de comercio, vinho e pesca, a dominação dos índios brasileiros com a expulsão dos jesuítas e o loteamento de Lisboa destruída pelo terremoto, enquanto o leão rugia contra os que se mexiam.

Como fiquei confundido com aquelas visões, resolvi consultar meu analista. E ele me induziu a fazer uma regressão de memoria. Não fui muito longe. Contei-lhe que nas duas últimas semanas havia assistido exposições sobre a Ponte Salvador-Itaparica, algumas delas feitas pelo secretario Gabrielli. Uma, em especial, a realizada no Crea-Ba no dia 29 pp. promovida pelos fóruns A Cidade Também Nossa e Vozes de Salvador, impressionou a todos. O secretario discorreu duas horas exibindo gráficos, mapas e estatísticas, tentando mostrar a excelência de seu projeto. Mas afirmou que a ponte não vai substituir o ferryboat, admitiu que não seria um vetor de minérios e grãos do oeste para o porto de Salvador, que não processa granéis, função melhor desempenhada pela Fiol e Porto Sul e que ainda não sabe como será o financiamento da obra, mas em parte será paga pela mais-valia imobiliária da ilha. Pelo exposto conclui que a importância do Sistema Viário do Oeste, ou melhor, do Sul, orçado preliminarmente em sete bilhões de reais, se resume a um acesso mais rápido à Costa do Dendê.

Como o auditório se mostrasse inquieto, Gabrielli fechou a questão dizendo que os pontos de saída e chegada da ponte e seu traçado já estão definidos, que os editais internacionais para elaboração do projeto executivo e relatórios de impactos ambientais e urbanísticos já foram publicados e que em seis meses será licitada a obra. Que aquela era decisão de governo legitimado pelo voto popular. Assim sendo, a discussão resvalou para uma sabatina afiada sobre o planejamento, a participação popular, os conselhos cidadãos e os efeitos da picada da mosca azul em um antigo maqui dessas causas.

Sobre o macroplanejamento disse que é coisa do passado, da Cepal/ONU, que não tem mais vigência no mundo globalizado, e que hoje são os projetos que moldam o plano. Sobre a participação popular citou Voltaire: não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte seu direito de dizê-lo, porem a decisão está tomada e o governo esta fazendo o melhor com consultorias internacionais. Os conselhos para ele são apenas consultivos, pois não têm responsabilidade, ao contrario do governo. Sobre a mosca azul que o teria picado como presidente da Petrobras, a megacorporação estatal verticalizadíssima, candidato ao governo do Estado e secretario do mesmo, ele negou e disfarçou. O auditório fingiu que acreditou.

Meu analista, que é também um aficionado de historia politica, me disse: V. fez, inconscientemente, uma associação do Despotismo Esclarecido com o regime politico depois de Lula e do Iluminismo com o notório saber das consultoras internacionais, que maquiam os problemas ao gosto do freguês. Ponderei-lhe: a consciência dessas associações pode não me libertar dos pesadelos e a ponte, se feita, irá travar a ilha e Salvador com 135 mil caminhões e carros dia. Ele me tranquilizou dizendo: Paulo, as companhias monopolistas não vingaram, os jesuítas voltaram ao Brasil, o loteamento de Lisboa se limitou à Baixa, sua ocupação tardou um século, e Pombal caiu em desgraça com a sucessão de D. José I. Assim, V. pode dormir tranquilo, que seus temores não têm fundamento! 

sábado, 1 de junho de 2013

Metrô só não basta

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, 14/04/13

Na semana passada Estado e Prefeitura chegaram a um acordo sobe metrô e ônibus. O problema do transito não é só de Salvador, mas aqui assume dimensões alarmantes, porque nossas vias não formam uma rede, são corredores bloqueados, sejam elas de cumeadas, de vales, ou de acessos, como a Paralela e a BR-324. O Epucs, há 70 anos, já propunha uma rede em dois níveis com cruzamentos em viadutos e túneis e alças de ligação entre os dois planos. Alguns túneis foram feitos, mas nenhuma das ligações dos dois níveis.

A questão não é só do metrô e dos ônibus. Sua solução passa pela normatização do uso do solo e mudanças de valores e hábitos. Primeiro, devemos diminuir as viagens, ou seja, todos os bairros devem ter equipamentos sociais e comércios de modo que crianças possam ir à escola e seus pais ao supermercado sem precisar de transporte. Segundo, ela implica na compreensão que a era do carro foi linda, podia-se namorar e passear de baratinhas, mas já era. Se pensarmos a cidade sem eles, se abrem novas perspectivas e teremos uma cidade mais ligeira e socialmente mais rica.

Tomo como exemplo de Copacabana, no Rio. Sua arquitetura de especulação, dos anos 30 e 40, é muito ruim, mas seu urbanismo dez. Depois de ter lido “Uma utopia urbana” do antropólogo Gilberto Velho e assistido “Edifício Master” de Eduardo Coutinho mostrando a vida nos quarto-e-sala do bairro, acabo de redescobrir seus valores de urbanidade, já cantados por Braguinha, Caymmi e Drummond. Experiência vivida, pois tenho um filho morando ali, num sala e três quartos.

Poderia classificá-lo como um bairro pré e pós-calhambeque. Poucos edifícios têm garagem, mas não faz falta, pois existe um metrô. Vai-se andando para o supermercado, para levar o neto na escola, para o restaurante, o calçadão, este espaço de sociabilidade e lazer, e a praia. Com isso, economiza-se a academia e chega-se ao centro em poucos minutos no metrô. São Paulo, a exemplo de cidades europeias e de Nova York, depois de tentar o rodizio, que só aumentou a frota, acaba de proibir o carro na área central, tornando as viagens de ônibus meia hora menos demoradas. Ha meios para diminuir a frota de carros em circulação. Nova York com um enorme metrô não permite novas vagas na ilha e cobra pedágio para entrar.

Não seria tão radical, mas consideraria as garagens como área construída para efeito de coeficiente de aproveitamento (CAM) e taxação. Com isso diminuir-se-ia a frota e os estoques de transcon, ao tempo que aumentaria a arrecadação para investir na melhoria urbana. São medidas duras, como a dieta e a malhação, mas necessárias para ter uma barriga sarada.

Desconstipar Salvador significa criar um novo paradigma de mobilidade coletiva e restrições ao carro. O novo paradigma compreende transportes de qualidade – metrô, VLT e BRT - e sistemas alternativos de circulação, como ciclovias, hidrovias, passarelas, teleféricos e ascensores. Estes são fundamentais em uma cidade com três níveis e foram os primeiros coletivos da cidade, ainda no século XVII, modernizados na era industrial, com guindastes, charriots e parafusos, hoje sendo desativados.

Esses equipamentos não têm uma única solução. O novo metrô pode ser em trincheira, ao nível do solo ou aéreo. A primeira solução evita os impactos sonoros e visuais, mantem o verde e elimina viadutos, mas pode não ser o preferido das empreiteiras. Os VLTs e BRTs de alimentação do metrô devem ser de paradas locais e expressas. Ônibus podem ter assoalho rebaixado e rotas diretas, ou chassi elevado de caminhão e trajetos labirínticos. Mas a primeira hipótese pode não ser a preferida do SETPS. Estas são alternativas técno-sociais que interessam aos cidadãos e que precisam ser discutidas em fóruns representativos e qualificados de toda a cidade e não em audiências enganosas na periferia.

Precisamos, em suma, desprivatizar Salvador colocando empreiteiras, imobiliárias e concessionária no seu lugar, servindo e não garoteando a cidade e remover o lixo do PDDU, do Lous e do Código de Obras.

O que o Centro Antigo precisa

Paulo Ormindo de Azevedo
A Tarde, 03/02/12

Depois de 50 anos de abandono e algumas intervenções equivocadas, o Centro Antigo precisa de investimentos. E é assim que se entende a reação de alguns intelectuais a novos projetos. Mas investimentos dentro de um planejamento urbano para reintegra-lo à dinâmica da cidade. Não é verdade que a única possibilidade de recuperação de áreas degradadas seja a verticalização. Pelo contrario, a verticalização expulsa e transfere a miséria para a periferia e encostas periclitantes, com a morte da esperança e dos controles sociais.
Nesses bolsões a melhoria da mobilidade e da cultura é fundamental. A inclusão de favelas em Medelín e Bogotá se fez com a instalação do BRT Transmilenio integrado a teleféricos, recuperação de espaços públicos e construção de enormes bibliotecas. Pouquíssimos moradores foram deslocados, mas se expropriou o território das máfias, se ocupou os jovens com a internert e os esportes e se valorizou o patrimônio e a autoestima daquelas populações marginalizadas. A violência urbana foi reduzida para um quinto da anterior. No Rio de Janeiro se está começando a reproduzir estas experiências com resultados já palpáveis.
Recuperar o Centro Antigo de Salvador passa pela reabilitação dos ascensores, pela construção de passarelas ligando o Pelourinho ao Desterro, o Carmo à Saúde e galerias e elevadores subterrâneos conectando a estação de metrô do Campo da Pólvora ao Terreiro de Jesus e ao Comercio. Passa também pela instalação de escadas rolantes ligando a Preguiça e a Contorno ao mirante da Praça Castro Alves. Obras que devem ser complementadas pela criação de um centro cultural dinâmico no Pelourinho, aproveitando construções abandonadas, como os cines Jandaia, Excelsior e Pax, este com um estacionamento vizinho subutilizado e dar um uso cultural ao Solar do Saldanha e não apenas burocrático. A Caixa Econômica e o Banco do Brasil bancariam esses projetos prazerosamente.
Construir uma arena-de-bolso a um custo equivalente a 500 casas populares num dos maiores gargalos da cidade, ameaçando ensurdecer e quebrar as vidraças dos vizinhos, quando temos três arenas subutilizadas e um Parque de Exposições, que é o único espaço capaz de receber os festivais carnavalescos baianos é um desperdício. No mesmo Centro Antigo há projetos mais interessantes e menos custosos esperando financiamento, como a remodelação de três largos e um palco retrátil no Pelourinho capaz de eliminar o mafuá que se arma todo fim de ano e carnaval naquela praça. Fica a pergunta chave, quem irá bancar e administrar a nova arena? A Secretaria de Turismo, que não tem nenhuma tradição neste campo?
Nos últimos 40 anos a cidade foi governada pela “politica do concreto”, ditada pelas empreiteiras e indústria imobiliária. Nenhuma obra urbana importante foi realizada, apenas viadutos que ligam um congestionamento a outro. São obras de baixíssimo nível técnico. Não há um só viaduto alinhado com a pista de acesso ou com concordâncias verticais e superelevações corretas. Há inclusive um túnel que não coincide com o viaduto de acesso. A julgar pelas maquetes exibidas pela Setur, a nova arena descoberta supera tudo em termos de impropriedade urbanística, arquitetônica, paisagística e teatral. Quem conseguirá sentar naquela placa de concreto voltada para o poente e calcinada durante todo o dia? Qual a companhia lírica ou sinfônica de respeito irá programar espetáculos em uma arena descoberta numa cidade que não tem estações fixas. Não estamos em Roma ou em Atenas. Este é mais um elefante branco que se pretende criar na cidade na onda da Copa, zombando da inteligência de seus cidadãos.
Apesar de ter levado a cidade ao fundo do poço, João Henrique provocou uma reação positiva. A cidadania não aceita mais engolir sapos. Nunca se discutiu tanto a cidade nas associações profissionais e de bairros, nos movimentos urbanos, na mídia escrita e falada e em especial nas redes sociais. A Arena Castro Alves é a bola da vez. Queremos investimentos como os sugeridos, mas sem impactos negativos e integrados ao planejamento urbano.