SSA: A Tarde, 22/06/14
Tem razão o
establishment quando afirma que as manifestações conta a Copa é um
movimento de classe media e que as agressões grotescas e pueris à
presidente não vieram do povão, que não tinha dinheiro para entrar no
Itaquerão. Mas o argumento é incongruente, pois admite que as arenas não
foram concebidas para o povo, senão para a classe media alta e
globalizada.
O povão não participa da Copa e a assiste em casa
pela TV, como se ela fosse um campeonato em outro continente. Há muito
poucos torcedores nas ruas e bares da periferia ou em volta das arenas.
Populares ouvidos pela mídia dizem que esta é uma copa dos “brancos” e
dos gringos. Este que era um esporte abrilhantado por negros e mestiços.
Traço que já havia sido assinalado por Gilberto Freyre em artigo de
1938 com o titulo Football mulato e no primeiro livro sobre o tema, O
negro no futebol brasileiro, de Mario Filho publicado em 1947.
Como
eu previa em artigo de 16/3/14, em Salvador a Copa teria muito menos
impacto que o carnaval. A ocupação hoteleira é de 70% e Salvador é o
sexto destino turístico entre as sedes da Copa graças à falta de
planejamento. A BR 324 está engasgada com obras em sete pontilhões, o
metrô nanico é exclusivo para os portadores de ingresso da Copa, não se
pode caminhar no Porto da Barra, ponto emblemático da cidade, de tão
esburacado que está e as ruas vizinhas e o estacionamento da Fonte Nova
foram interditados. Não está disponível nenhum guia ou mapa da cidade,
nenhuma sinalização ou indicação da boa culinária baiana, galerias de
arte, shows e rodas de capoeira.
Em 2007 o Brasil crescia e Lula
queria comemorar os dez anos do PT no poder e os 30 milhões de
brasileiros que deixaram a pobreza absoluta. Mas nestes sete anos a
economia minguou, o custo das arenas foi triplicado sem nenhum legado
urbano e os que passaram a ter pão se juntaram à classe media rebaixada e
insatisfeita com a mobilidade urbana, a saúde e a educação. Este quadro
contrasta com os R$ 35 bilhões superfaturados, que ultrapassam as três
ultimas Copas juntas. Enquanto na África do Sul um assento numa arena
custou US$1,500, na Alemanha US$2,530, no Brasil chegou a US$5,500. O
público se sente traído por pagar o baile e ser barrado na entrada.
Perdemos a Copa fora das arenas e a Seleção sua para vencer dentro
delas.
A FIFA se transformou num cartel em que os países sedes dos
jogos arcam com vultosas despesas e ela, isenta de impostos, fica com
todo o lucro, estimado em R$15 bilhões, de fornecedores, merchandise,
transições de TV e bilheterias. Seus diretores são vitalícios e não se
conhece nenhuma obra educativa ou social da FIFA. Para onde vai todo
este dinheiro na Suíça? O modelo de copa da FIFA é absurdo e caduco,
contrariando todos os princípios do bom senso e da ecologia:
insustentável, excludente, negador da cultura local, uni supridor de
alimentos e bebidas e não reciclador de estádios.
A Seleção não é
mais a pátria de chuteiras de 1970 em que o futebol era o ópio do povo
nos anos de maior repressão. Avançamos muito politicamente ao contestar a
prioridade do circo. É bom lembrar que movimentos revolucionários
sempre foram deflagrados pela classe média inflamando multidões. Vide
Rússia, China e Cuba.