domingo, 25 de maio de 2014

Você já foi ao Ceará? Não? Então vá!

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 25/5/2014

Nenhum estado brasileiro foi mais deserdado pela natureza do que o Ceará. Cerca 93% de seu território está no Polígono das Secas. Raquel de Queiroz fez seu “debut” na literatura com o romance “O quinze” em que conta o horror da seca de 1915. Hoje aquele estado é um dos mais desenvolvidos do Nordeste com uma enorme classe media que enche os restaurantes e as lojas durante toda a semana. Fortaleza é o município com maior PIB do Nordeste e o Ceará o estado com a melhor qualidade de vida do Norte e Nordeste. Pude comprovar isto há algumas semanas quando fiz ali uma palestra no XX Congresso Brasileiro de Arquitetos.

Em grande parte isto se deve ao trabalho desenvolvido ao longo de 105 anos pelo DNOCS. Hoje o estado tem 144 açudes para irrigação e abastecimento urbano e só os trinta maiores tem capacidade de 19 bilhões de m³, mais da metade de todo o Nordeste. O maior deles, o Castanhão, tem 6 bilhôes m³ e o maior da Bahia, Cocorobó, construído para afogar Canudos, não passa de 245 milhões. A outra razão foi a opção pela pequena e media empresa, como confecções, sapatarias e lavouras de algodão e caju, que geram mais emprego que as grandes. O Mercado Central de Fortaleza é uma mostra da força dessa economia popular. Ao DNOCS se somou o Banco do Nordeste, que tem realizado uma serie de estudos e financiado prioritariamente o desenvolvimento daquele estado. 

Pernambuco, por seu lado, é sede da Fundação Joaquim Nabuco, da Sudene e da Chesf. Essas instituições são responsáveis pelo pensamento e financiamento de grandes projetos. Nossos políticos nunca conseguiram atrair para a Bahia nenhuma grande agencia federal e perdemos todos os bancos, públicos e privados, temos apenas uma repassadora de recursos federais. Os nossos governantes não gostam de planejamento, preferem o clientelismo fisiológico. Cada nova gestão, interrompe os projetos iniciados pela anterior e não consegue concluir os seus. A Comissão de Planejamento Econômico criada por Rômulo Almeida teve vida curta, não obstante os enormes serviços prestados ao estado, com a criação do CIA e Copec. 

Os portos da Bahia estão saturados e ultrapassados. Pecém, no Ceará, é o porto nacional mais próximo da Europa e dos Estados Unidos. Em sua retroárea está sendo construída uma siderúrgica e em breve deve ser iniciada uma refinaria. O aeroporto de Fortaleza é o portão mais rápido e barato de ingresso no país e o turismo vem crescendo a índices elevados. Um “pirata” português resolveu abrir sua boate no dia de descanso de outras casas noturnas, a segunda feira, e é um sucesso estrondoso. Aproveitando essa onda turística está sendo inaugurado um aeroporto internacional em Aracati, onde se encontra a famosa praia de Canoa Quebrada.

O PDDU da capital é desenvolvido pelo Instituto de Planejamento de Fortaleza em estreita colaboração com a academia e discussão com as entidades de arquitetos-urbanitas e engenheiros. Um dos seus pontos altos é o Plano de Mobilidade que prevê três linhas subterrâneas de metrô e uma de VRT, além de BRT e ciclovias, já em execução. Para se livrar do superfaturamento das empreiteiras o estado comprou um tatuzão (TBM) para abrir os tuneis. A preocupação com a mobilidade não se restringe à capital. Duas linhas de VLT estão sendo construídas em Sobral e ligando Juazeiro do Norte a Crato. Um detalhe, os vagões dos metrôs e VLTs são fabricados no estado, sobre chassis importados. Os nossos PDDUs são malas pretas. Outra inovação do estado foi a criação do sistema de agentes de saúde. Nem tudo é uma maravilha no Ceará, mas se discute, se briga, e se decide participativamente.

Estas observações, com grande recorte temporal, não são uma critica a nenhuma administração em especial, senão uma reflexão sobre as diferentes governanças dos estados. O exemplo do Ceará visa servir de estimulo e contribuição aos planos de governo e prioridades de ações que estão sendo elaborados pelos candidatos ao futuro governo. É fundamental criarmos um centro de planejamento e formação de lideres e quadros públicos para levantarmos a Bahia de seu berço esplêndido.

domingo, 11 de maio de 2014

Perguntas frequentes

Paulo Ormindo de Azevedo
SSA: A Tarde, 11/5/2014


O manual do usuário de qualquer produto novo apresenta três seções: para que serve o produto? como funciona? e perguntas frequentes. Na falta das duas primeiras, me antecipo respondendo algumas perguntas frequentes. A ponte Salvador/Itaparica que parecia morta foi relançada com o anuncio do governador de licitá-la antes de deixar o governo e novas contratações de pareceres e projetos para justificar uma decisão tomada em reunião social sem qualquer estudo prévio.

1º - A ponte faz parte do sistema viário de onde? Uma ligação rodoviária não pode competir com uma ferrovia como a Fiol na exportação de minérios e grãos do oeste, mesmo porque o porto de Salvador não opera graneis. Não serve também ao litoral sul, quando está sendo construído o Porto Sul e um novo aeroporto em Ilhéus. Atrações como Itacaré e Barra Grande são mais acessíveis por Ilhéus.

2º - A ponte substituirá a hidrovia? – Os moradores de Niterói sabem que é melhor pegar a barca e saltar no centro do Rio que enfrentar filas, engarrafamentos e pedágio e não poder estacionar no Rio. Os ferries vão continuar transformados em barcas de passageiros.

3º - A ponte será um escape ou ladrão para Salvador? Quem atrai mais: Salvador ou Nazaré? A ponte irá apenas congestionar Salvador e a Estrada do Côco trazendo os veículos da BR-101 e BR-116 para o litoral norte onde estão o aeroporto, praias, Copec, Ford e acesso ao Nordeste. Quem perde com isso é S. Antonio de Jesus, Salvador e Feira de Santana. A ponte irá ainda duplicar a RMS aumentando sua função de dormitório e prestador de serviços de educação, saúde, abastecimento e lazer para trabalhadores que enriquecem outros municípios. A solução tem que ser ferroviária, pois a ponte será tão engarrafada quanto a Paralela.

4º - Itaparica será uma expansão de Salvador? A classe média quer centralidade, ficar junto do emprego, dos colégios e universidades, dos hospitais, do teatro e dos cinemas. Também não tem lógica criar conjuntos habitacionais para operários que irão trabalhar em Candeias, Simões Filho e Camaçari, sujeitos a esperar horas para a passagem de plataformas de petróleo e guindastes. A Ilha será apenas um acampamento rodoviário como São Gonçalo junto a Niterói.

5º - A ponte beneficiará a RMS e o Recôncavo? Saltando de Salvador para Jaguaripe a ponte irá marginalizar ainda mais o Recôncavo com seu enorme potencial turístico e náutico. A baía também perde com um gargalo na sua boca dificultando o acesso a seus quatro portos internos: Aratu, Temadre, Regaseificação e Estaleiros de S. Roque.

6º - Qual a importância econômica da ponte? Se não serve ao oeste. ao sul ou a RMS o que ganha o estado com esta ponte rodo-eleitoral? Não sabemos responder. Mas “Pergunte ao José”, saudoso programa radiofônico baiano.

7º - Quanto pagaremos pela ponte? Todos sabem que uma ponte não se paga pelo pedágio. A solução apontada de leilões de CEPACs não está funcionando nem no Porto Maravilha, no centro do Rio. Sem esquema financeiro assegurado, ela será iniciada e parada e as empreiteiras irão receber durante anos por terem seu contrato suspenso como aconteceu com o metrô perna-de-pau de Salvador. Mesmo que a União banque uma parte, teremos que pagar uma divida monstruosa, o equivalente a quatro superportos tipo Mariel em Cuba, ou três refinarias de Pasadena, ou ainda as doze arenas da Copa, enquanto o sertanejo, a lavoura e o gado morrem de sede no semiárido. 

8º Não haveria uma alternativa mais interessante? Sim, seria a construção da Envolvente Rodo-Ferroviária de Kerimorê ou BTS, ligada ao novo porto de Salinas da Margarida, projeto que custaria um terço da ponte e teria efeitos socioeconômicos e culturais muito maiores. Ela alavancaria o desenvolvimento do Estado e da RMS e integraria todo o Recôncavo com um trem rápido metropolitano fazendo a ligação Salvador-Feira com variante para São Roque/Itaparica. E ainda reduziria para um terço o acesso de carros para a ilha e criaria milhares de empregos perenes.

P.S. - Não confundir “Pergunte ao José” do mestre Cid Teixeira com “José”, poema de Carlos Drummond de Andrade.